Pá nelas?


Por TADEU SILVA, COLABORADOR

31/05/2016 às 07h00- Atualizada 31/05/2016 às 08h53

A proposta de desrespeitar a Constituição Cidadã aprovada na Câmara Federal, menos de um mês antes do Dia das Mães, viralizou esta semana. Com a aprovação do impeachment em 17 de abril, a presidente Dilma Rousseff acabou afastada e, em seguida, o presidente interino Michel Temer escalou seu ministério macho.

O golpe começou faz tempo, como expôs, agora, a publicação da conversa do senador Romero Jucá com o ex-senador Sérgio Machado, onde declarou que, com a Dilma na Presidência, não daria para interferir nos rumos da operação Lava Jato. No dia 12 de maio, logo depois do Dia das Mães, 55 senadoras e senadores, seguindo o exemplo dos 367 deputadas e deputados, enfileirados, iam, um a um, repetindo o gesto perverso de desrespeito às instituições e a cada um de nós. Veja, quem lê, que não deixa de ser um exemplo de operação.

No dia 20 último, uma jovem de 17 anos sofreu estupro por cinco agressores em Bom Jesus (PI). Em seguida, dia 21, no Rio de Janeiro, outra jovem, agora de 16 anos, foi estuprada por 33 homens. Neste último, satisfeitos, em fila, os agressores filmaram com o celular e publicaram na rede. Pode-se dizer que, simbolicamente, e cada qual a seu modo, compartilharam, com todo o respeito ao drama de cada uma das vítimas, o modo do assalto à integridade da donzela Constituição transmitido ao vivo para o país. O que permite falar em crise de valores e, colocado em perspectiva histórica, indica permanência perturbadora.

O caldo de cultura da violência estruturou a sociedade de cima a baixo e, na verdade, é difícil saber quem imita quem. A tentativa de saída civilizacional dos últimos anos, que inseriu a pobreza no orçamento, cujos resultados foram aplaudidos em todo mundo, e que promoveu uma maioria feminina, as mães pobres, foi detonada.

Nesta perspectiva, a visita, esta semana, do ator Alexandre Frota, considerado mestre do cinema pornográfico, que confessou ter praticado estupro em seu programa televisivo, ao ministro da Educação interino, Mendonça Filho, dizendo que fora levar propostas para a educação brasileira, é assustadoramente emblemática do problema a ser enfrentado e não deixa de dar um frio na barriga. Sintomaticamente, o Instituto de Segurança Pública do Rio de Janeiro informa que o estado teve, de janeiro a abril, uma média de 13 estupros diários.

CPI da Assembleia Legislativa de São Paulo apurou que 60% das alunas universitárias do estado sofreram assédio no período investigado. Matéria recente desta Tribuna acusou a mesma ocorrência na UFJF. Recentemente em cartaz, o filme vencedor do Oscar 2016, Spotlight, denunciou a prática a partir dos confessionários e a mídia vem escancarando os mesmos deslizes pelos pregadores evangélicos. Tudo isso em cima do silêncio das panelas cheias ou vazias, vítimas da exclusiva saciedade machista, devorando o que se possa entender como uma receita compartilhada de civilização. Simbolismo perverso, enfileirando a Nação, a República, a Democracia, a Constituição, a Liberdade, as crianças, a população feminina.

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