Reflexões do confinamento


Por Leandro Cruz, Colaborador

31/03/2020 às 06h32- Atualizada 31/03/2020 às 21h12

Durante esta quarentena, fiz uma viagem. Não quebrei as regras de restrição, fui impelido a fazê-la. Quando me dei por conta, já estava no destino que há muito tempo não visitava: meu próprio passado. O GPS foi meu ócio, talvez meu medo tenha também facilitado alguns reencontros. Afinal, nada mais seguro que algo já vivido. O que está por vir é uma aventura. Fingimos saber do que se tem por viver, mas é mera especulação, o amanhã simplesmente não existe. O futuro é uma fantasia dos nossos desejos. E o futuro é bem argumentado em seus fundamentos. A própria palavra futuro remete a novidades, modernidade e inovação. O passado, coitado, é o caducado por definição. No passado está o envelhecido, algumas dores, algum prazer e as decisões difíceis de serem remontadas. De qualquer forma, inapelavelmente, o resultado é este mesmo. Neste momento do texto, você olha em volta, você se olha.

O desejar nasce de um delírio em que o futuro vai atender aos nossos míseros caprichos. Veja lá se o tempo de tudo e de todos está ao nosso dispor, quanta presunção! Ao nosso dispor está o já vivido, e foi lá, no caducado, que encontrei meu melhor presente neste período de confinamento. Diante das incertezas provocadas por esta pandemia, ultrapassei meus desejos e me ancorei onde já naveguei. Um porto bem seguro de turbulências conhecidas e alegrias contidas. Ainda assim, há o gozo inesperado. Não sabia que o passado guardava surpresas.

Garanto que lá, no já vivido, ciente dos resultados, você vai encontrar novas versões. Até o que foi ruim pode te tirar um sorriso ou um choro atenuado. Porque, se no passado a alegria é contida, o justo também o fez de tristezas menos doidas e mais reflexivas.

Planejamos demais, sonhamos demais, desejamos demais. Nesta insanidade daquilo que ainda não foi vivido, enterramos nosso maior bem, aquilo que já vivemos. Neste momento, você que me aguentou até aqui, feche os olhos. Mas logo abra porque tenho um último parágrafo. Olhe bem a incoerência do que vou te dizer – e, ao mesmo tempo, provarei a consistência do meu texto. Esqueça seu futuro. Atente-se ao passado, é acolhedor.

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