Lava Jato: as pedras no caminho


Por Paulo Roberto de Gouvêa Medina, professor emérito da UFJF

30/10/2019 às 06h52

A mais importante operação até hoje deflagrada no país contra a corrupção vem enfrentando seguidos problemas, tanto de ordem processual quanto de natureza política. A revelação de diálogos entre procuradores que atuam nos respectivos processos e o juiz Sérgio Moro, que, à época, os presidia, provocou suspeitas sobre a imparcialidade deste. A ordem de apresentação das alegações finais, sem que se assegurasse aos réus, alvo de delações premiadas, a faculdade de manifestar-se por último, após os que os acusavam, dá margem a que se suscitem nulidades. A entrevista com que o antigo procurador-geral da República assombrou o país, confessando intenção de assassinar um dos ministros do Supremo e, depois, suicidar-se, lança dúvidas sobre a sua estabilidade emocional para funcionar nos processos em que interveio. Até mesmo a ida de Moro para o Ministério da Justiça, num governo antagônico ao que tivera seu chefe por ele condenado, provocou especulações acerca de sua isenção.

Desses episódios, o que está na ordem do dia é o da nulidade processual arguida. Resultaria ela da inobservância do princípio constitucional do contraditório, que garante às partes a ciência bilateral dos atos do processo, bem como do princípio da ampla defesa, que dá ao réu a possibilidade de refutar todas as acusações contra ele feitas. Trata-se, no entanto, de nulidade relativa, porque não cominada ou não prevista em lei, em razão do que cabe à parte prejudicada alegá-la, na primeira oportunidade que tem para falar no processo, sob pena de perdê-la, ante a ocorrência da chamada preclusão. Aliás, por se tratar de garantia não expressamente definida em lei e como a regra é a da vinculação do juiz ao procedimento que a lei processual estabelece, em muitos casos, o reconhecimento da nulidade requereria a demonstração de prejuízo para a defesa, sobretudo naqueles processos em que houvesse mais de um réu, tornando difícil determinar a ordem das alegações finais. Pretender, pois, que o vício apontado gere consequências avassaladoras sobre os processos da Lava Jato, derrubando condenações como um castelo de cartas que se destruísse ao sopro do vento, será um sonho utópico ou uma visão apocalíptica, conforme o pensamento de cada um, mas distante, de qualquer modo, da realidade do direito.

Quanto aos diálogos interceptados por uma ação criminosa, o que se tem como certo é que, do ponto de vista da ética que deveria presidir as relações entre as autoridades encarregadas da administração da Justiça, configuram um relacionamento promíscuo e, por isso, reprovável. Nada do que foi revelado, entretanto, compromete a imparcialidade do juiz, até porque este, independentemente de qualquer acerto prévio com os acusadores, pode determinar, de ofício, a produção de provas, em complemento às que constem do processo. Tudo o mais pertence a esferas alheias ao direito, só podendo ser analisado a partir dos mistérios da personalidade humana.

 

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