Eu vejo a vida melhor no futuro


Por Olívia de Paula Lopes Veloso, professora aposentada da UFJF

29/08/2019 às 06h59

Às vezes, a música popular retrata com clareza o momento sociocultural, de forma despretensiosa e sem qualquer intenção preestabelecida.
Os leitores menos jovens certamente se lembrarão de uma música composta para homenagear as mães, que dizia: “(…) ela é a rainha do lar…/Mamãe, mamãe, mamãe…/Com o avental todo sujo de ovo…”.

Nessa mesma época, também se compôs uma outra música, esta para homenagear os pais, que exaltava: “Quem é que agora/Tem um dia todo seu/Todo seu completamente/Pra ganhar presente/E o papai está tão contente/E o dinheiro do presente/De onde é que sai?/É do papai, é do papai/É do papai, é sempre do papai”.

As duas músicas reafirmam com a maior simplicidade a divisão social do trabalho à época e o papel exercido pelos principais atores sociais. À mãe, o papel de matriz, de cuidadora da família. Ao pai, o papel de provedor, o que põe dinheiro dentro de casa. Ele era o que pagava as contas.
Mas os tempos mudaram e, com ele, também, os papéis sociais. As mulheres deixaram de ser as “rainhas do lar”, conquistaram o mercado de trabalho e hoje sequer têm avental. Deixaram a sujeira dos ovos para as padarias e as confeitarias e passaram a dividir com os maridos as despesas da família. Agora, ambos provêm à área afetiva, e os pais podem, então, investir no cuidado, na educação e no carinho com os filhos, tarefas antes quase exclusivas das mães.

O crescimento do bolo passou a ser tema de investidoras financeiras. O presente do Dia dos Pais certamente foi pago com o cartão de crédito das mães ou com os bitcoins que eles nem sabem que elas têm. E no dia deles, o almoço, no restaurante, foi dividido entre os participantes, que, depois, terminaram o dia na casa deles (os pais) em torno de um violão, cantando em tom de gozação: “Tu és divina e graciosa estátua majestosa…” – afinal, ele era o homenageado.

Mas a saideira, não tenham dúvida, foi: “Eu vejo um novo começo de era/De gente fina, elegante e sincera/Com habilidade/Pra dizer mais sim do que não”.

Por conta da cumplicidade que se criou hoje entre pais e filhos e também como prova da solidariedade das pessoas de bem ao Felipe de Santa Cruz de Oliveira, pelo desrespeito e pela crueldade com que a morte de seu pai foi abordada, fazendo voltar a sangrar feridas cicatrizadas ao preço de sofrimentos incomensuráveis, de tantas Marias, Clarices e Felipes por todo o país.

Este espaço é livre para a circulação de ideias e a Tribuna respeita a pluralidade de opiniões. Os artigos para essa seção serão recebidos
por e-mail ([email protected]) e devem ter, no máximo, 40 linhas (de 70 caracteres) com identificação do autor e telefone de
contato. O envio da foto é facultativo e pode ser feito pelo mesmo endereço de e-mail.

Os comentários nas postagens e os conteúdos dos colunistas não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é exclusiva dos autores das mensagens. A Tribuna reserva-se o direito de excluir comentários que contenham insultos e ameaças a seus jornalistas, bem como xingamentos, injúrias e agressões a terceiros. Mensagens de conteúdo homofóbico, racista, xenofóbico e que propaguem discursos de ódio e/ou informações falsas também não serão toleradas. A infração reiterada da política de comunicação da Tribuna levará à exclusão permanente do responsável pelos comentários.