Em sua obra “A Gaia Ciência”, Friedrich Nietzsche diz que a humanidade é impulsionada ao progresso principalmente pelos espíritos malignos. Graças à sua atuação, paixões são inflamadas, e o homem alarga horizontes pelo confronto, não só de ideias. A Segunda Guerra Mundial, por exemplo, gerou a era de ouro do capitalismo, estimulando a economia no ocidente. Defende o filósofo que “o novo, em todas as circunstâncias, é o mal, pois é aquilo que deseja conquistar, derrubar os marcos fronteiriços, abater as antigas crenças”. Para Nietzsche, as paixões que podem ser as bases de fundação de um novo mundo adormecem nas sociedades policiadas, e os maus instintos são tão úteis e indispensáveis à conservação da espécie quanto os bons.
Essa obra me ocorreu devido a uma das definições mais simples e contundentes que já ouvi do caráter do presidente Jair Bolsonaro, que diz que ele é um homem mau, vil, de natureza ruim. Realmente não se pode negar, sem subverter os fatos, que ele está causando um desarranjo sem precedentes no país, semeando anarquia e ódio com falas e atos impensáveis sendo praticados por um presidente da República. Em uma de suas canções, Bob Dylan diz que não precisa de um meteorologista para saber para que lado o vento está soprando. Parodiando Dylan, também não é necessário ser especialista para entender o que está acontecendo no Brasil e quem pagará a conta dessa loucura toda.
Enganam-se os que defendem que a economia não pode ser um jogo viciado de acumulação de riqueza nas mãos de uma elite ignorante e predadora e que é inadmissível cinco bilionários brasileiros concentrarem patrimônio equivalente à renda da metade da população. Isso não vai mudar. O xis da questão a ser resolvido pelos “reformadores” não é como tirar dos ricos, mas como aplicar um remédio eficaz contra a pobreza que mate de vez a doença e o doente. E agora parece que é para valer. O fato é que estamos dentro de um barril de pólvora, e o comportamento vulgar de Bolsonaro, a leviandade com que exerce o mais alto cargo da República e a inconsequência dos seus atos estão acalorando cisões e discórdia na sociedade e já afligem até seus eleitores mais convictos.
Talvez Bolsonaro seja de fato um dos espíritos malignos citados por Nietzsche e jogue o país numa instabilidade social tão grande que todas as nossas mazelas nos sejam finalmente esfregadas na cara com toda a sua feiura, sujeira e fedor. Analisando a situação pela ótica do filósofo, talvez Bolsonaro venha a se caracterizar como um dos maiores agentes de mudança que o Brasil já teve, mudança pela dor, pelo caos prometido que nós estamos fazendo por merecer. Bolsonaro é racista, homofóbico, sexista, defensor de milicianos e da tortura e da matança indiscriminada dos que se opõem a governos tirânicos, os quais sempre defendeu. Definitivamente, ele é mau. Tudo indica que algo virá, que a miséria nossa de cada dia não poderá mais ser jogada para baixo do tapete, que vamos pagar até o último centavo pela nossa omissão histórica e pela doentia irresponsabilidade com a coisa pública, como foi a eleição de Jair Bolsonaro. Vamos pagar por isso.
“Todo terreno acaba por se esgotar, é preciso sempre que o arado do mal volte”, sentencia Friedrich Nietzsche em “A Gaia Ciência”. Exausto, dividido, empobrecido e marcado pela injustiça e pela violência, não estará o Brasil pronto para essa aragem?
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