Minha nada mole vida
A sabedoria das avós nos ensina desde pequenos: “Rapadura é doce, mas não é mole, não”. A gente ri, pensa que entende e entra para o anedotário com cheirinho de café coado onde moram as memórias das avós e dos avôs. Demorou, mas um dia eu entendi…
Vivia a fase mais complicada da vida até agora. Faltava quase de tudo: tempo, disposição, saúde de entes queridos, dinheiro, emprego para quem mais precisava. Dureza. Daquelas que nos fazem adoecer e amargurar se a gente não abrir os olhos. Passava em frente à Igreja de São Mateus de mãos dadas com meu filho, na época com uns 4 anos, e resolvi entrar para reabastecer o “potinho” da fé.
– Filho, expliquei ao pequeno, sabia que toda vez que entramos na igreja pela primeira vez podemos fazer três pedidos? Pensa bem aí no que você vai querer pedir a Deus.
Ele colocou as mãozinhas em oração, fechou os olhos por um bom tempo, ajoelhado no banco da igreja; depois, se sentou normalmente e começou a observar os vitrais.
– Escolheu bem? O que você pediu? – Perguntei, curiosa, sobre o quanto ele poderia estar impactado pela rotina tão alterada com a quantidade de preocupações pelos quais estávamos passando.
– Ah, mãe, eu pensei um tempão, mas minha vida está tão boa. Eu não pedi nada, não. Já está ótimo assim.
Não me lembro de ter chorado tanto. Nesse momento, eu entendi o que dizia minha avó. E mais que isso. Percebi o que tinham vivido meus pais, meus avós, as divorciadas de maridos péssimos que permitiram que eles fossem ótimos pais para seus filhos, aqueles amigos que compram sua briga sem que você jamais fique sabendo o motivo, o pai que dorme com fome porque trouxe pipoca para a criança, a amiga que chora tudo o que precisa na portaria do hospital para entrar no quarto sorrindo e debochando da importância da doença de quem ama.
Lembrei-me do filme “A vida é Bela”, no qual o judeu Guido, quando é levado para um campo de concentração com o filho Giosué, faz verdadeiros milagres para que o menino não se dê conta das dificuldades que estão enfrentando.
Então me dei conta de com quantos Guidos temos a sorte de conviver pela vida afora. Nos privando das feiuras, da desesperança, da crueza que muitas vezes o mundo nos impõe. Eu agradeço pelos que a vida me deu. Se a rapadura já está uma dureza com vocês, imagine só como seria amarga essa vida se não pudesse contar com tanta doçura.