Tempos de Natal

“Cada vez menos se celebra o nascimento de Jesus e os sentidos que se dão à festa transitam da sacralidade à idolatria”


Por Igreja em Marcha, Equipe de leigos católicos

27/12/2019 às 06h51

No calendário, o Natal se apresenta como uma festa de todos. Não importa se cristão ou de outra confissão religiosa, se ateu ou indiferente, a data está tão ali marcada quanto na vida ordinária das pessoas… é o último prenúncio do fim de um ciclo e início do outro. Mas os modos como se vive essa experiência são mais diversos do que gostariam o campo religioso e o mercadológico. De fato, cada vez menos se celebra o nascimento de Jesus e os sentidos que se dão à festa transitam da sacralidade à idolatria, do recolhimento à exuberância, dos reencontros à solidão, da solidariedade aos desperdícios, da fartura à penúria…

Inicialmente uma festa “pagã”, o Natal demonstra antes de tudo nossa necessidade humana por demarcações temporais, tanto a nós, cada vez mais urbanos, quanto fora para nossos antepassados o ciclo natural das estações. Diversas cosmologias de povos do sul correspondem ao mesmo período, e, em várias partes do hemisfério norte, já existiam diferentes celebrações do solstício de inverno que marcavam a passagem da austeridade da noite mais longa do ano para a esperança do novo despertar da Vida. Nada mais digno de festejar, posto que nossa existência parece atravessar esses invernos, e é preciso recordar que a fagulha do verão também reside em nós!

Na liturgia cristã, o Natal só começa a ser incorporado aos ritos anuais a partir do século IV, mas os estudos recentes demonstram que é falsa a ideia de que havia um intuito de concorrer ou sobrepor-se às festas pagãs, tendo sua própria trajetória com a incorporação de elementos folclóricos ou de devoção popular, como o Presépio e vários outros de seus símbolos… tudo isso, sem deixar de lado a centralidade das celebrações, onde se destacam a Anunciação do anjo, o sim de Maria, o compromisso de José e a humildade da Natividade de um Deus que nasce “ao modo do homem para o homem amar ao seu modo”!

Na contemporaneidade, o mercado buscou dessacralizar o Natal, impondo à festa o seu próprio caráter divisório: para quem pode consumir abundância, para quem não pode… Seu ícone do consumismo, o Papai Noel também tem uma história pregressa que se confunde com a história de São Nicolau e outros personagens míticos, até se tornar garoto-propaganda de refrigerante e, depois, de tudo que se pode vender e comprar. Coitadas das crianças que sequer têm sapatinhos ou janela para ter o direito de sonhar com um presente naquela noite… conforme retomamos as narrativas, ou foram malcriadas ou seus pais não se esforçaram suficientemente!

De todo modo, mesmo o tal “espírito natalino” de congraçamento tem passado longe dos lares divididos pelas ditas opiniões menos diversas e mais contrárias… Polêmica da vez, uma peça de humor satírica à fé cristã deu lugar a demonstrações de intolerância e ímpeto de censura como forma de defesa. Ora, nos seus mais de dois mil anos, o cristianismo já foi alvo de sátiras ainda mais pungentes, deveria restar apenas dó de comediantes que repetem velhas fórmulas, mas, não… O ódio se mostra, e algumas máscaras vão caindo, de modo a deixar claro o que, de fato, não se tolera! Não há petições contra os vários ataques aos templos de religiões afro-brasileiras, nem tamanha indignação com a escalada de violência contra as minorias todas… Nesse caso, fica a dica de não dar “ibope” ao que não se concorda e, na mesma plataforma, por exemplo, assistir “Dois Papas”, com excelentes atuações e a brilhante direção de Fernando Meirelles, grande cineasta do atacado cinema brasileiro!

Para nós cristãos, Jesus é nosso eterno solstício… “É Palavra mais luminosa do que o sol, encarnada num pequenino filho de homem, luz do mundo”, disse o Papa Francisco.

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