Quando 5×3 é diferente de 3×5
Dia desses, me deparei com a seguinte notícia no portal da BBC Brasil: “por que 5×3 não é igual a 3×5? Uma simples conta que está dividindo a internet”. Como assim? Antes, um breve resumo para quem não leu a reportagem: trata-se de uma questão de prova aplicada a crianças em alguma localidade dos EUA. Pedia-se que o aluno resolvesse a conta 5×3 usando a estratégia da “adição repetida”. No espaço reservado à resposta, um aluno escreveu 15 e no desenvolvimento escreveu 5+5+5. O professor considerou o desenvolvimento errado.
Durante a leitura, me lembrei de um episódio acontecido em casa, com minha filha, à época com 8 anos. Ela sempre foi muito disciplinada – e dramática. Um dia, fazendo o dever de casa, começou a chorar, ecoando pela casa que não sabia matemática e que matemática era muito difícil. Era a primeira vez que ela reclamava por não conseguir resolver um “dever”, e isso nos chamou a atenção.
Minha esposa a acudiu no primeiro momento, e eu me propus a desvendar o mistério do dever tão difícil. O problema era adequado ao seu conhecimento, mas havia um obstáculo entre ela e o enunciado: a interpretação textual. Refiz o enunciado numa espécie de tradução para uma linguagem mais palatável à sua idade, e ela resolveu a questão com um pé nas costas, passando da tragédia à comédia em poucos minutos. Em outras palavras, ela nunca teve problemas com matemática, mas não conseguiu entender o texto do enunciado, que estava, de fato, meio intrincado. Contudo, achou que não sabia matemática!
O caso da reportagem da BBC é muito semelhante. É uma questão de interpretação de texto que envolve matemática, mas foi resolvida só com os conhecimentos de matemática. Houve foco no resultado da operação, e não no que foi pedido, e o professor, coerente com a proposta, apontou o erro. Afinal, 5×3 é sim diferente de 3×5! Não o resultado da operação, esse é igual, a propriedade comutativa explica. Porém, a expressão representada por 5×3 não significa 15. Quinze é o resultado dessa operação, representada por um código; 5×3 significa “somar o número três cinco vezes”. O aluno, ao contrário, somou o número cinco três vezes, e isso é diferente, embora o resultado da operação seja o mesmo.
A brevidade da reportagem não nos permite avaliar a pertinência do enunciado ao contexto escolar. Porém, serve para frisar a importância da prática exaustiva da leitura e escrita desde a infância para que os cidadãos atinjam bons níveis de letramento. No Brasil, apenas 26% da população brasileira estão no patamar de alfabetização funcional plena. Vale dizer que ¾ da população têm algum tipo de dificuldade em interpretação textual. Índice alarmante! Não basta alfabetizar, é preciso letrar. Um indivíduo alfabetizado é capaz de ler, mas não necessariamente entende o que leu. Um indivíduo letrado lê e compreende o que está escrito. O letramento liberta o cidadão.