Minha rua, sua casa
Quando a temperatura cai nos termômetros, mais pessoas se preocupam com os que dormem nas ruas nas noites frias. Para além da necessidade de cobertores e sopas, é preciso refletir sobre o problema da população em situação de rua com olhos livres de preconceitos e compaixões.
Desentendimento familiar, desemprego, violência, alcoolismo, drogas e doenças mentais estão entre os fatores que fazem o contingente crescer, principalmente nas grandes e médias cidades brasileiras. Listar essas causas ou a combinação delas pode ajudar a traçar o perfil da pessoa por trás do problema, mas é preciso ir mais fundo, vendo e ouvindo aqueles que para muitos são invisíveis e indesejáveis.
Os dados não são precisos, mas, de acordo com pesquisa nacional realizada em 2008 e com levantamentos feitos por municípios, estima-se que 49 mil pessoas vivam hoje nas ruas das 71 maiores cidades brasileiras. A maioria é composta por homens, negros e de idade entre 25 e 44 anos. Um pedaço desse grupo, diga-se, pode estar na rua porque quer, e esta opção também deve ser respeitada, dentro do direito de ir e vir.
Mas o que chama a atenção no crescente quadro de exclusão social é a falta de cuidados com a saúde dessa população. Interessada em estudar e acompanhar o problema, a estudante Taís Guimarães Maia, da Faculdade de Medicina de Petrópolis (FMP/Fase), realiza um projeto de extensão com foco no perfil e nas necessidades de saúde desse público, em Petrópolis. Para ela, ver o quadro de perto a faz crescer como pessoa e como médica, aumentando a vontade de fazer algo pelo próximo e mostrando que os que vivem nas ruas podem ter acesso à saúde como qualquer pessoa.
Estudioso do assunto há bem mais tempo, incluindo pesquisas com adolescentes e crianças, o professor e psicólogo Iacã Macerata costuma dizer que podemos aprender muito com a rua, porque ela mostra como a nossa sociedade funciona e o quanto é difícil lidar com o diferente, viver em comunidade e construir estratégias coletivas de viver junto.
No campo da saúde, segundo Iacã Macerata, a rua escancara outro problema: o de como ainda pensamos a saúde física separada da saúde mental. Para os passantes apressados das cidades, o drama é outro. Em um pré-julgamento mais apressado ainda, muitos veem os que dormem nas ruas como desajustados, loucos ou delinquentes.
O interesse da aluna de medicina inspirou uma parceria da faculdade com o Centro de Defesa dos Direitos Humanos (CDDH), que há 37 anos atua no combate às violações dos direitos humanos. A entidade mantém, desde 2003, o projeto “Pão e Beleza”, que combina alimentação e oficinas, além de disponibilizar higiene pessoal e roupas, provenientes de doações. Lidar com a autoestima do próximo, aliás, é uma das chaves para se entender os que vêm, vão e ficam pelas ruas.