Carta sobre ataque à jornalista Patrícia Campos


Por Cristina Castro, Professora e dirigente da Contee, coordenadora do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação e conselheira efetiva do Conselho Nacional de Direitos Humanos

20/02/2020 às 07h04- Atualizada 20/02/2020 às 07h38

Ela só tem 13 anos. Fomos a um bloco de rua e pela primeira vez ela se produziu. Não era a fantasia escolhida por mim, e mais uma vez vi que cresceu. Aquele sentimento de mãe que quer dar asas e, ao mesmo tempo, manter criança encheu meu coração.

Vestia uma saia de fitas coloridas feita por mim a seu pedido. E, enquanto eu trançava as fitas, pensava nos abusos durante o carnaval e no quanto ainda temos que lutar para podermos ser livres, sem preconceitos e violência contra nossos corpos e nossas almas.

Ela vestiu a saia, ficou linda. Seus olhos eram pura alegria, e, de repente, um semblante triste e preocupado: “Mas e se os homens mexerem comigo? Vou ficar brava, não vou aceitar”. Tive que respirar e responder: “Ignore solenemente e siga, porque lutamos todos os dias para mudar essa situação, e a luta ainda é longa. Mas nunca podemos desistir”.

E daí falamos sobre comportamentos machistas, sobre misoginia. Passado apenas um dia, no depoimento na Comissão Parlamentar Mista de Inquérito sobre Fake News do Congresso Nacional, um depoente fez um ataque difamatório à jornalista Patricia Campos Mello, alvo de ofensas machistas e misóginas. Para repulsa ainda maior, o deputado Eduardo Bolsonaro, em tom jocoso, replicou em suas redes sociais, e depois no plenário da Câmara, as insinuações do depoente, que desqualificava a jornalista que produziu a matéria sobre disparos de mensagens durante o período eleitoral de 2018.

Mas não seriam os parlamentares autores de leis? E não há uma lei que puna a violência de gênero? Como explicar para uma adolescente de 13 anos que aquele homem de terno e gravata, que deveria, além de elaborar leis, cumpri-las e protegê-las, faz ataques desqualificados às mulheres? Se aquele homem eleito para representar o povo tem esse comportamento, também não deveria ser a ele aplicada a lei?

Sabemos que esse tipo de estratégia tem sido utilizada para desviar o foco das investigações e não oferecer à população explicações, bem como para tentar desacreditar e desqualificar o trabalho da imprensa. Mas não é possível que fiquemos caladas. Como diz a canção: “Não vou aguentar humilhação, escuta essa rima para aprender com essa canção, machistas não passarão… Vê se aprende esse refrão”.

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