Nova roupa do Papa
“(…) há imagens de Francisco dançando break, tocando diversos instrumentos, vestindo uma armadura medieval, lutando com supervilões (…)”
Apesar do título provocador, não… nenhuma criança vai dizer que o Papa está nu! Mas todo mundo parou para comentar o look inusitado do Pontífice, vestindo uma confortável e aparentemente quentinha jaqueta puffer branca há alguns meses. E também, não… nenhum estilista famoso foi recentemente contratado pelo Vaticano para dar uma repaginada no visual do Papa e torná-lo ainda mais “pop”.
A imagem que rapidamente circulou pelas redes virtuais e gerou várias notícias e até mesmo críticas e opiniões divididas, na verdade, foi mais uma criação feita por inteligência artificial na plataforma Midjourney, e o responsável foi um artista de Chicago. E ela não é a única… há imagens de Francisco dançando break, tocando diversos instrumentos, vestindo uma armadura medieval, lutando com supervilões, e outras ainda menos canônicas e até desrespeitosas, todas muito “realistas”… se é que o adjetivo cabe para esses casos, por mais inverossímeis que pareçam.
No caso da foto com a jaqueta, a velocidade da repercussão, bem como a maneira como muitos veículos respeitados entenderam a imagem como uma “versão real”, trouxe à tona novas discussões sobre como lidar com a inteligência artificial (IA) e seu poder de gerar textos, fotos, vídeos e uma série de outros conteúdos. A discussão é que mal aprendemos a lidar com notícias falsas e rapidamente teremos que aprender a lidar com esses conteúdos que não se apresentam claramente como ficcionais como as artes.
A IA tem uma percepção pela maioria das pessoas, moldada pela chamada cultura pop, como sendo algo de supermáquinas, robôs humanoides e formas de entretenimento ou diversão. Mas, para muito além disso, a IA tem se tornado cada vez mais uma forma rebuscada de exploração do trabalhador e de desumanização das relações sociais.
O Papa Francisco alertava para esses perigos ao tornar essa intenção da oração do mês de novembro de 2020. Sua preocupação era a de que a robótica e a inteligência artificial pudessem aumentar as desigualdades, interrompendo um “progresso real” da humanidade. Por isso, o Papa pedia que rezemos para que os avanços tecnológicas estivessem “vinculados ao bem comum” e orientados para “o respeito pela dignidade” das pessoas.
E, neste mês, o Papa Francisco escolheu a Inteligência Artificial como tema para o Dia Mundial da Paz de 2024, que ocorrerá em 1º de janeiro. De acordo com o Pontífice, a escolha foi feita dado o “notável progresso feito no campo da IA” e o impacto cada vez mais profundo nas atividades sociais, políticas e econômicas. O que se espera é “um diálogo aberto sobre o significado dessas novas tecnologias, dotadas de potencial disruptivo e efeitos ambivalentes”.
“Injustiça e desigualdades alimentam conflitos e antagonismos. A urgência de orientar a concepção e o uso das inteligências artificiais de forma responsável, para que estejam a serviço da humanidade e da proteção da nossa casa comum, exige que a reflexão ética seja estendida no âmbito da educação e do direito”, destaca o comunicado sobre a escolha do tema.
Na fábula “O rei está nu!”, tirando a ingênua criança, todos optaram por fingir naturalidade e mentir que viam a roupa invisível da monarca. Ele próprio, ao se perceber na situação constrangedora, seguiu desfilando orgulhoso com sua nova roupagem. Fiquemos com a pureza da resposta da criança, que, como diz o poeta, “é bonita, é bonita e é bonita!”