A crise e o Direito
“Nesta quadra tão grave que a humanidade atravessa, cujos efeitos já se fazem sentir duramente em nosso país, seguir as normas de saúde pública e obedecer aos ditames do Direito é a conduta necessária”
A preocupação com os aspectos jurídicos da crise não é uma bizantinice de bacharéis. Ao Direito cumpre disciplinar as relações sociais, e quando o meio em que estas se estabelecem, por alguma razão, foge à normalidade, mais importante se faz a orientação dos juristas, no sentido de evitar que a crise assim instaurada desborde para a anarquia ou dê margem a abusos. A pandemia que se alastra, entre nós, descortina um cenário delicado a esse respeito. No plano mais alto, chegou-se a falar na decretação do estado de defesa ou do estado de sítio. Além de não se configurar, no momento, um quadro de perturbação da ordem pública que os justificasse, nem mesmo em tese tais regimes teriam pertinência. O estado de defesa, suscetível de decretação pelo presidente da República ad referendum do Congresso Nacional, uma vez ouvidos os Conselhos da República e de Defesa Nacional, pressupõe grave e iminente instabilidade institucional ou a ocorrência de calamidades de grande proporção na natureza, tendo alcance restrito a determinados locais. O estado de sítio, quando não representa forma suplementar do estado de defesa, porque este se tenha revelado insuficiente, exige, para sua decretação (com prévia aprovação do Congresso), a existência de situações mais graves, que são o surto de comoção grave de repercussão nacional ou a declaração de estado de guerra.
Embora mais próximo da realidade presente, é discutível se o estado de defesa seria legítimo em função da suposta origem animal do vírus, a qual só indireta e remotamente permitiria classificá-lo como calamidade da natureza. Restam, portanto, para enfrentar os problemas acarretados pela pandemia, as medidas peculiares ao poder de polícia administrativa. Entre estas, apresentam-se como opções a considerar o fechamento de fronteiras do país (já decretado) e, eventualmente, a imposição de restrições análogas, no que tange os limites entre estados e divisas de municípios. Mas é preciso que se respeitem, nesse particular, as competências constitucionais e não se ponha em risco o equilíbrio federativo.
Outra medida que as circunstâncias podem vir a aconselhar é a requisição de propriedades particulares para atender a exigências das ações administrativas. Pense-se na hipótese de espaços que possam servir de abrigo às pessoas ou ser aproveitados para a instalação de postos de atendimento ou hospitais de emergência. Resguardada a garantia de posterior indenização aos respectivos proprietários, por eventuais danos, a solução encontraria apoio na Constituição. Cumpre ter em vista, a esse propósito, que a hierarquia entre os três planos da federação haverá de ser respeitada. Não poderia, assim, determinado município requisitar, para tais fins, bem público pertencente ao estado ou à União. Em suma, todas as ações que o momento comporte ou reclame devem ser pautadas pela moderação e atender aos imperativos que emergem dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.
Nesta quadra tão grave que a humanidade atravessa, cujos efeitos já se fazem sentir duramente em nosso país, seguir as normas de saúde pública e obedecer aos ditames do Direito é a conduta necessária. Mas isso não basta. Indispensável seria ouvir a voz de um guia, a palavra de um estadista, a comandar as ações e a encorajar o povo. Alguém que fizesse o papel de Churchill, na Segunda Guerra. Mas de homens como o líder britânico o mundo anda carente, e o Brasil, definitivamente, esquecido.