Corrente do bem
Era uma senhora bem velhinha, cabelos brancos como a neve, que, na sua fase produtiva, trabalhara muito numa repartição pública, sempre ajudando as pessoas que a procuravam, funcionalmente, em suas reivindicações. Ela se orgulhava de sua caligrafia, sempre caprichada e que lembrava a letra de uma professora, pois que, nas décadas de serviço público, preenchera muitos formulários e assim treinava ao escrever sempre, com as canetas tinteiro e posteriormente as esferográficas.
Mas, agora, ela estava em apuros. Numa agência dos Correios, onde fora postar uma correspondência, o jovem funcionário lhe apresentava um impresso que ela deveria preencher com os dados da remetente, que seria ela, e do destinatário, e as letras dentro das casilhas respectivas.
Com a caneta em punho, tentava e tentava, mas as vistas se embaralhavam e viu que estava fazendo garranchos e não estava conseguindo escrever como devia. Depois de um tempinho, o funcionário da agência, notando a dificuldade daquela senhora, já suando, pelo calor que fazia, gentilmente se aproximou e falou com ela:
– Senhora, posso ajudá-la? Notei que está se atrapalhando com o impresso. Se quiser, eu posso preenchê-lo para a senhora. Posso?
Ela, já arfando e meio envergonhada por não estar conseguindo fazer uma coisa que fizera tantos e tantos anos, no serviço que desempenhara por longos anos, respirou fundo e lhe respondeu:
– Obrigado, meu jovem, quero sim. Acho que minhas vistas estão falhando e os espaços do impresso da correspondência por A.R. (aviso de recebimento) são bem pequeninos, tentou se justificar.
Num átimo, o jovem preencheu as lacunas, selou, carimbou e cobrou dela os valores devidos, tudo sob o amável olhar da Senhora.
Terminado o atendimento e após os agradecimentos da cliente, que se retirara, o expediente seguiu naquela agência dos Correios.
Nem meia hora havia se passado e lá vem a velhinha simpática, bem apessoada, adentrando a agência, trazendo nas mãos uma sacolinha de plástico, de onde retirou duas garrafas de água de coco geladinhas, que entregou ao rapaz, dizendo:
– Olha moço, ao sair daqui, notando o calor que está fazendo e que você não poderia sair do serviço, fui até lá na esquina onde um vendedor de água de coco fazia seu ponto e comprei para você se refrescar. Obrigado pela sua ajuda e fique com Deus. E seguiu celeremente para fora da agência.
Passaram-se uns dias e a idosa, ao buscar a correspondência na Caixa de Correios de sua casa, notou uma carta diferente, entre as contas que chegaram.
Curiosa, assentou-se na poltrona da sala, abriu o envelope e sorrindo, leu seu conteúdo:
Caríssima senhora … primeiramente quero me desculpar por haver “quebrado o sigilo da correspondência”. Quando a senhora saiu, fiquei tão emocionado, que quase chorei, mas disfarcei para que outros clientes e colegas não notassem. Peguei sua carta com A.R. e copiei seu nome e endereço e por isso lhe escrevo.
Naquele dia, realmente, estava muito calor e já não me aguentava de cansaço e sede. Já se passara a hora de meu almoço e ninguém havia me rendido para eu me ausentar do atendimento. A direção da Agência é muito rígida com os funcionários e, enquanto um funcionário não é substituído, não pode deixar o posto. Sua ação de me recompensar pela minha obrigação de servir os clientes, especialmente os idosos, muito me emocionou, pois nunca, ninguém havia procedido assim para comigo. Foi a água de coco mais doce, mais gostosa que me desceu pela garganta.
Obrigado pelo seu gesto e que Deus a abençoe sempre. Amém!