Estarei entre vós!
O Ciclo Pascal do calendário litúrgico católico está se realizando desde o mesmo dia em que o novo coronavírus apareceu em nosso país. Quaresma e quarentena, recolhimento e isolamento… oração, jejum, caridade e incertezas de ordem social, política e econômica! O tempo é de passagem… mas será que sabemos para onde vamos? De certo, todos sabemos de onde temos vindo e que para lá não podemos, nem devemos, mais voltar! Desde o início de seu pontificiado, o Papa Francisco tem alertado para necessária e emergente passagem para outro modo de vida. Todas suas pregações, peregrinações, sínodos e encíclicas remetem para essa mesma prece!
Na extraordinária oração e bênção “Urbi et Orbi” diante da mortal pandemia do coronavírus, o Santo Padre, numa das homilias mais emblemáticas da história da Igreja, afirmou que “fomos surpreendidos por uma tempestade” (…) que “desmascara a nossa vulnerabilidade e deixa a descoberto as falsas e supérfluas seguranças com que construímos os nossos programas, os nossos projetos, os nossos hábitos e prioridades”.
Rezou o Pontífice: “Por que sois tão medrosos? Ainda não tendes fé?’ Nesta tarde, Senhor, a tua Palavra atinge e toca-nos a todos. Neste nosso mundo, que Tu amas mais do que nós, avançamos a toda velocidade, sentindo-nos em tudo fortes e capazes. Na nossa avidez de lucro, deixamo-nos absorver pelas coisas e transtornar pela pressa. Não nos detivemos perante os teus apelos, não despertamos face a guerras e injustiças planetárias, não ouvimos o grito dos pobres e do nosso planeta gravemente enfermo. Avançamos, destemidos, pensando que continuaríamos sempre saudáveis num mundo doente. Agora nós, sentindo-nos em mar agitado, imploramos-Te: ‘Acorda, Senhor!'”.
No cenário de enfrentamento à Covid-19, o isolamento social se apresentou como uma medida necessária e urgente a fim de minimizar os contágios. Isolamento que já preocupava Francisco, entre outras razões, quando convocou o Sínodo para a Amazônia. Isolamento que precisou ser defendido pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, juntamente com organizações da justiça (OAB), da imprensa (ABI) e da ciência (SBPC), face a “campanha de desinformação” da Presidência da República, em grave ameaça à saúde dos brasileiros. Isolamento que nos ensinou ou recordou um outro modo ser Igreja e celebrar as liturgias, de volta às casas, como nos tempos de Jesus e das primeiras comunidades cristãs: as Igrejas Domésticas!
Do dia para a noite, fomos “jogados” no espaço virtual. A vivência da fé, em certa medida, também se viu diante deste desafio. “Não seriam mais possíveis os encontros celebrativos. E, tragicamente, tudo isto acontece bem no período mais solene de nossa vida litúrgica: as celebrações da Semana Santa, nossa Páscoa anual”, afirmou padre Carlos Resende de Divinópolis.
Entre tantos esforços por parte dos sacerdotes em ser criativos, que por vezes esbarravam nos cânones doutrinais, ou recorrendo à já familiar celebração via rádio e televisão, redescobrimos que somos um povo que sabe rezar, somos um povo sacerdotal, como já compreendera o Concílio Vaticano II, alguns esqueceram ou ignoraram.
Com a participação de leigos, muitos deles jovens, as pastorais da comunicação disponibilizaram os mais diversos recursos para que todos participassem das celebrações e não apenas assistissem. Mas o que se deu foi que, em cada casa, a família passou a ser equipe de ornamentação, canto e liturgia… cada família exerceu o sacerdócio e os altares se expandiram dos templos para as salas, varandas ou quartos. E, assim, a Páscoa pôde ser celebrada, no sentido original do ato eucarístico, tendo novamente o povo como protagonista, isolado, mas reunido!
O Ciclo Pascal segue até o Pentecostes, como segue o isolamento social até quando for necessário… mas resta uma certeza deixada por Jesus: “Onde estiverem dois ou três reunidos em meu nome, Eu estou no meio deles” (Mt 18,20).
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