O povo em armas: milícia cidadã?
A flexibilização das regras para a posse de armas de fogo representa muito mais que um simples roteiro legal para o acesso a elas. Tem significados práticos e simbólicos fortes num país tomado pela criminalidade.
Não são raros os casos nos quais um governo arma os cidadãos para o enfrentamento de ameaças externas ou internas. Em Israel, por exemplo, prevalece a doutrina “um cidadão, um soldado” como garantia de sobrevivência da própria nação, ameaçada permanentemente pelos vizinhos. O Brasil imperial teve sua guarda nacional formada pelo povo e sustentada pelas forças políticas locais, dando origem aos folclóricos coronéis e seus jagunços. Assim, mantiveram o controle do poder no nosso vasto interior, e suas influências políticas se estenderam até a República Velha.
Entre nós, em 2016, foram registradas 62.517 mortes violentas segundo o “Atlas da Violência 2018”. Nos dez anos anteriores, 553 mil pessoas foram mortas da mesma forma, e os homicídios cresceram 13,9% no período. Somos o 13º lugar mais violento do mundo segundo o estudo “Segurança do cidadão na América Latina – 2018”. Em números absolutos, o Brasil ocupa a primeira colocação na lista de países com mais homicídios do planeta, com a cota de 13% dos assassinatos globais.
Evidente que as políticas de segurança pública adotadas foram um grande fracasso. Prevaleceram ações midiáticas, de vitrine. Sucateadas, as nossas forças militares e policiais carecem de treinamentos, equipamentos, armamentos, estratégias e salários condizentes com suas responsabilidades, entre outras deficiências. Há também fatores sociais gravíssimos que são determinantes para o aumento da violência. Imensas áreas e faixas populacionais convivem com o desemprego, as drogas e a falta de infraestrutura básica. São bolsões de miséria onde via de regra reina a bandidagem que se alimenta da desesperança coletiva. Nelas, a ausência estatal salta aos olhos.
Facilitar o acesso às armas de fogo num ambiente de quase caos na segurança pública sinaliza o reconhecimento pelo Poder Público da sua incapacidade no enfrentamento da questão.
Sem forças, o Estado legaliza uma espécie de “milícia cidadã”: o povo em armas no combate à criminalidade, assumindo parcela considerável da função pública! O país já assolado pela violência agora terá também o cidadão comum armado para o que der e vier. Salve-se quem puder!