Eles passarão, eu passarinho


Por POR BIANCA COLVARA, COLABORADORA

14/07/2016 às 07h00- Atualizada 14/07/2016 às 07h30

Ou talvez eles não passem, não. Ou passem apenas como lembrança, para que nunca mais passem de novo. Não sei. Apenas não vamos mais permitir sua passagem assim, sem barulho, no duro silêncio. Não passarão. Eu e todas as outras, passarinhos livres para voar sem medo. Só medo da queda, de quebrar a asa. Mas jamais de voltar para a gaiola. Não mais presas. Sempre livres.

Não mais presas com medo de abrir o jornal e descobrir no mínimo três notícias de violência contra a mulher. No mesmo dia, mulheres são feridas, violadas, abusadas e até mesmo mortas. Um jovem esquizofrênico assassinou a mãe, a tia e a prima. Garota de 13 anos é estuprada por 12 homens. Padastro tenta vender a virgindade da enteada. Pare o mundo, porque nós queremos voar livres.

Outros casos, de um passado recente, confirmam: o horizonte é nublado, os tempos estão difíceis. É impossível ler a notícia do estupro coletivo ocorrido em Juiz de Fora, na Vila Olavo Costa, e não lembrar do caso da menina do Rio de Janeiro violentada por mais de 30 homens. Presa em uma gaiola, sem segurança, pelo contrário: completamente abandonada. E, depois, humilhada. A empatia do ser humano passou longe. A sororidade entre as meninas, por outro lado, foi reconfortante. Não à cultura do estupro. Não ao machismo. Passarão longe. Faremos um escândalo.

É a cultura do estupro. É o machismo. É a objetificação da mulher. É a sociedade que condena nossa pequena liberdade desde o momento em que viemos ao mundo e somos identificadas como pessoas do sexo feminino. Ali, começam a cortar nossas penas para que não alcemos voos longos, mas fiquemos sempre ao alcance daqueles que nos engaiolam e nos privam dos nossos direitos.

A cultura machista permite que um professor se sinta superior a uma aluna e faça agressões contra ela dentro do ambiente acadêmico. Permite que sejamos postas contra a parede e ouçamos absurdos para depois irmos embora caladas por medo de repressão. Um professor capaz de prender uma aluna em sua gaiola e abusar dela, arrancar suas asas e seu sonho de voar longe. Trata-se de uma estrutura hábil em criar reféns de uma vida sem horizontes possíveis: aquela depois do abuso, depois da humilhação. É o antropocentrismo levado ao pé da letra: o homem como centro do universo. E a mulher? Qualquer outra coisa subalterna.

Emburrece a ponto de achar que a vítima é a culpada, que a roupa dela era muito vulgar, que ela era louca, que sabia o que estava fazendo, que já era tarde para estar na rua sozinha. Emburrece a ponto de deixar que a violência tenha justificativas.

Não mais. O machismo não passará.

Nós, passarinhos.

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