Neuroteologia


Por José Aparecido da Silva, Professor visitante da UFJF

13/06/2019 às 06h41

Religião, não sendo, exatamente, somente algo adicionado à nossa vida pessoal, trabalha, sim, na organização e na perpetuação de uma determinada ordem social. Relembrando Voltaire, para quem “Se Deus não existisse, Ele teria de ser inventado”, a sociedade não se manteria agregada se as pessoas não tivessem algum conjunto central de crenças que as mantivesse próximas, unidas e funcionais em um grupo social, o qual, tal como um todo orgânico, representasse muito mais que um agregado de indivíduos autointeressados.

Não obstante, religião não tem uma face exclusivamente positiva. Em seu nome, um bilhão de pessoas, aproximadamente, têm sido mortas ao longo da história. Ao que Daniel Dennett sugere que muitos religiosos são mais leais à fé do que a Deus. Neste contexto, a emergência da neuroteologia, a saber, neurociência espiritual, campo de investigação científico-multidisciplinar, incorporador de conhecimentos de psicologia, religião, espiritualidade e neurociência, reside em sua busca por compreender a relação entre o cérebro humano e a religião. Usando várias técnicas de exploração da estrutura e do funcionamento do cérebro, pesquisadores têm procurado determinar quais áreas cerebrais são mais ativas no momento em que as pessoas experienciam uma profunda conexão com o divino. A questão, portanto, sendo “Há um lugar para Deus no cérebro” ou “Há Deus no cérebro?”. Estudos sobre os mecanismos neurais, buscando revelar o que acontece no cérebro quando pessoas experienciam o despertar místico durante o orar, o meditar, bem como durante o envolvimento espontâneo inspirado pelo fervor religioso.

Ao longo dos últimos dez anos, sugerindo que várias são as regiões e os sistemas cerebrais que medeiam aspectos da experiência religiosa e espiritual, o que as tornam complexas e multifacetadas, envolvendo mudanças na percepção, na cognição e na emoção, pesquisadores afirmam que tais experiências místicas envolvem muitas partes cerebrais, mas que, nelas, nenhum correlato neural específico parece existir para as experiências religiosas e espirituais. Em outras palavras, “Não existe, precisamente, um lugar único, por mais simpl es que seja, no cérebro, designado a ser Deus no ser”. O que, em geral, eles encontraram? Foi o fato de várias regiões cerebrais mostrarem atividade aumentada, indicando o papel importante delas nas experiências religiosas, tais como o córtex pré-frontal, os lobos parietais, o gânglio basal e o sistema límbico. Importa ressaltar, entretanto, que esses resultados são, apenas, correlacionais por natureza, nada revelando sobre as relações causais. Ainda que as experiências religiosas e espirituais sejam associadas com mudanças em atividades cerebrais regionais, não é claro se essas mudanças causavam aquelas experiências ou se respondiam às mesmas.

Neuroteólogos, baseados em instrumentos da moderna neurociência e analisando a experiência religiosa e espiritual durante a oração e a meditação, têm concebido que: (1ª) a experiência religiosa surge da atividade neural, emanando de uma seção específica do cérebro, a lóbulo-temporal, ainda que muitas outras áreas cerebrais da complexa rede neural também se mostrem bases biológicas da espiritualidade; (2ª) esses esforços para revelar os correlatos neurais do divino têm fomentado uma nova disciplina, a neuroteologia ou a neurociência espiritual que, não apenas, tentam reconciliar religião e ciência, mas, também, ajudam a apontar as maneiras de eliciar sentimentos prazerosos em pessoas que não têm tido a oportunidade de tê-los.

Assim, achar uma fonte cerebral para a experiência espiritual pode servir, igualmente bem, para identificar o meio pelo qual Deus alcança a humanidade. A ciência, na verdade, dá-nos uma grande razão para nisso acreditar.

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