Democídio à brasileira
Leio na Tribuna de 11/12/2019 o artigo “Necropolítica à brasileira”, de autoria do professor universitário e advogado criminalista Thiago Almeida, em que o articulista discorre sobre a morte, especialmente aquela resultante das ações estatais e da ação de grupos políticos eleitos a partir da retórica da truculência.
Segundo o artigo, o projeto anticrime do ministro Sérgio Moro nulifica a vida de populações vulneráveis, já que confere, diga-se, à polícia licença para matar, no caudal das ações letais ocasionadas por agentes públicos.
Existe, lamentavelmente, uma incompreensão basilar no meio universitário brasileiro e que é repetida por aqueles que deveriam estar na vanguarda da intelligentzia acadêmica: a falácia da polícia violenta.
Como dizia Hegel, “se os fatos contradizem a ideologia, pior para os fatos”, e, assim, o singelo método de amputar do quadro de referência os eventos inconvenientes permeia todo discurso sobre a letalidade policial.
Ora, com o efetivo policial propositadamente reduzido por “políticas” de segurança debochadamente omissas, o treinamento sabidamente precário e a remuneração de fome, os policiais são lançados diariamente numa guerra assimétrica, com todas as obrigações (e acadêmicos espreitando em seus gabinetes refrigerados, a salvo das indesejáveis praças de guerra) e nenhum direito, com a missão de defender a população atônita diante de índices de violência que superam os registrados em zonas de conflito pelo mundo afora. São raríssimos os governadores ou os secretários de segurança pública que vão ao enterro de seus policiais (Anuário de Segurança Pública, 2015, página 25).
Aos policiais é negada a própria condição humana. Não passam de números na estatística macabra: a média nacional da taxa de homicídios foi de 29,1 mortos por cem mil habitantes em 2017, enquanto a taxa contra policiais alcançou, no mesmo ano, assombrosos 59,71 para cada cem mil policiais, ou seja, praticamente o dobro da média nacional (Fábio Costa Pereira, O mito da polícia violenta. Revista A força Policial n. 01/2017).
Mas a polícia que mais mata no mundo é a brasileira. Atrás dos agentes de farda e a favor dos direitos “dos manos” estão o “beautiful people” do universo jurídico e acadêmico e muita mídia engajada.
Não defendo o crime praticado por policiais, que devem ser, na mesma proporção dos facínoras civis, exemplarmente punidos, mas não me permito o laxismo de tomar a parte pelo todo.
No livro Bandidolatria e Democídio (Porto Alegre, SV Editora, 2018), os autores Leonardo Giardin e Diego Pessi passam a limpo as mentiras contadas a respeito da política de segurança pública no país e mostram, dentre outras obviedades escondidas do público leigo, que o humanismo bocó em meio ao caos criminal do país, a proposta de extinção das polícias militares (impulsionada pela ONU e por seus tecnocratas que não receberam sequer um voto do povo brasileiro), a suposta falência da prisão, o desencarceramento em massa de facínoras, aliás, com a chancela dos tribunais, o desarmamento civil, a impunidade (o grande fator criminógeno a ser enfrentado), a corrupção endêmica, a transformação do aparato policial e do sistema prisional do país em espantalhos, a expansão da violência brutal do tráfico contra as “populações vulneráveis”, uma espécie de “novo cangaço”, a demonização de todas as ações policiais e o culto bandidólatra, dentre outros, alimentam o democídio brasileiro, expressão criada pelo professor R. J. Rhummel para significar o assassinato de qualquer pessoa do povo por seu governo.
A legião de criminosos agradece. No Brasil, não ganha crédito quem sugere que a polícia e a punição são necessárias numa sociedade civilizada. Às favas os fatos.
Este espaço é livre para a circulação de ideias e a Tribuna respeita a pluralidade de opiniões. Os artigos para essa seção serão recebidos por e-mail ([email protected]) e devem ter, no máximo, 30 linhas (de 70 caracteres) com identificação do autor e telefone de contato. O envio da foto é facultativo e pode ser feito pelo mesmo endereço de e-mail.