29 anos do Código de Defesa do Consumidor


Por Nilson Ferreira Neto, advogado especialista em Direito do Consumidor

12/09/2019 às 06h52

No dia 11 de setembro de 2019, o Código do Consumidor completou 29 anos de sua promulgação. Nascido como um diploma pioneiro e muito moderno, modernidade esta que permanece, apesar das transformações nas relações de consumo, o nosso Código de Defesa do Consumidor se constitui de uma das legislações mais modernas se comparada com diplomas de outros países, os quais não tratam de forma tão detalhada e tão eficiente as relações de consumo.

Inobstante a eficácia do código, verificamos que ainda não se concretizou de forma plena a norma contida no artigo 4º, inciso III do Código de Defesa do Consumidor (CDC), que elenca como princípio da relação de consumo a harmonização entre os interesses de consumidor e fornecedor. Para tanto, é necessária uma maior conscientização de consumidores e de fornecedores sobre seus papéis no mercado, a fim de construir uma relação mais transparente, mais respeitosa, leal, cooperativa e de responsabilidade socioambiental.

Ao longo do tempo, alguns desafios foram vencidos, tais como a melhoria da qualidade de produtos e serviços, com a devida responsabilização do fornecedor baseado na “Teoria do Risco do Empreendimento”, com o aprimoramento da proteção especial ao consumidor hipervulnerável, bem como a responsabilização do fornecedor que submete o consumidor à perda de tempo útil, a chamada “Teoria do Desvio Produtivo do Consumidor”, assim conceituada: “O desvio produtivo caracteriza-se quando o consumidor, diante de uma situação de mau atendimento, precisa desperdiçar o seu tempo e desviar as suas competências – de uma atividade necessária ou por ele preferida – para tentar resolver um problema criado pelo fornecedor, a um custo de oportunidade indesejado, de natureza irrecuperável”.

Noutro ponto, embora o Código não tenha ficado alheio ao desenvolvimento de novas formas de relações no mercado de consumo, o surgimento de novas tecnologias exigiu a edição de novos diplomas, tais como a Lei Geral de Proteção de Dados e o Marco Civil da Internet, que de certa forma se conjugam com as normas consumeristas, conciliando a tutela do consumidor com as transformações tecnológicas, tratando de questões que envolvem a inteligência artificial, o geo-pricing e o geo-blocking, os quais consistem, respectivamente, na diferenciação do valor da oferta pela origem geográfica dos consumidores e na conduta que bloqueia uma oferta em razão da origem geográfica dos consumidores.

A propósito, há duas ações tramitando no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ), sendo as primeiras ações dessa natureza no mundo, conforme apontou o promotor de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, Guilherme Magalhães Martins, em recente seminário: “São duas ações sobre a precificação discriminada dos consumidores pela localização geográfica”.

A despeito desses avanços, assistimos com muita apreensão a algumas tentativas de retrocessos, como as mudanças estabelecidas na Medida Provisória 881/2019, a qual institui a Declaração de Direitos de Liberdade Econômica, estabelecendo garantias de livre mercado, análise de impacto regulatório e dá outras providências, impactando as relações de consumo, em maior ou menor grau.

Embora a defesa do consumidor esteja incluída entre as cláusulas pétreas na Constituição Federal, a transformação pelo Congresso da Medida Provisória 881/2019 em lei transformará a ordem jurídica até aqui praticada, especialmente na defesa do mais frágil na relação de consumo. A Medida Provisória pretende modificar o código, o arcabouço legislativo que se pretende permanente, conquistado com muita luta, sem qualquer debate, e que impõe reação não só dos órgãos de defesa do consumidor, mas também de toda a sociedade.

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