A cidade dos homens?


Por Guilherme Nogueira Ragone, arquiteto e urbanista e doutorando em Arquitetura pela UFF

12/04/2019 às 06h55- Atualizada 12/04/2019 às 08h08

O cenário é comum de uma cidade grande: madrugada, região central, fim de semana. Quantas mulheres sozinhas são vistas nas ruas? A resposta é sempre a mesma: nenhuma. E se trocássemos o gênero na pergunta: quantos homens são vistos na madrugada? Quando pensamos em atitudes simples, como atravessar um viaduto, caminhar por ruas escuras, pegar ônibus ou esperar o táxi, se tornam desafios quando o contexto socioespacial parece ser criado, e realmente o é, para uma parcela da população. Para Manuel Castells, sociólogo catalão, o espaço urbano é determinado pela sociedade, sendo que esta, no contexto brasileiro, é patriarcal e historicamente segregadora.

O direito à cidade, conceito criado por Henry Lefèbvre em seu livro homônimo de 1968, aborda que ir e vir, permanecer no espaço público com segurança, escolher seus trajetos sem distinção de horário, é algo básico para a habitabilidade das cidades. A plenitude do conceito se manifesta quando passa a existir uma real intervenção participativa e feminina nas decisões de cunho urbano.

Assim, o papel diversificado entre raças, idades, credos e gêneros no destino das cidades é fundamental para a equidade urbana. Passados 51 anos do célebre livro, paradoxalmente, enquanto o termo volta à tona entre arquitetos e diversos grupos militantes, para o Poder Público e seus fomentadores, o termo parece ignorado. A construção das cidades é um ato masculino que vem se replicando através do modelo não participativo e excludente.

Debater gênero e cidade é debater o papel da mulher na participação das decisões. Analisando o diagnóstico setorial produzido pelo Conselho de Arquitetura e Urbanismo (CAU/BR), neste ano de 2019, os números merecem atenção e registram, em números, a percepção do cotidiano. A entidade possui 167.060 arquitetos registrados, desses, 105.420, ou 63%, são mulheres. Ao analisarmos as emissões de Registro de Responsabilidade Técnica, ou RRTs, os homens são maioria, 53% do total.

Sobre a representatividade masculina nos altos cargos do Conselho, a proporção varia de 63% a 83%. Esses dados, entre muitos outros do diagnóstico, são o espelho do que é a profissão que tem o poder de determinar o futuro das cidades, refletindo que, por mais que haja mais mulheres no mercado de trabalho, essas continuam invisíveis. Para uma cidade mais equitativa, a participação feminina deve ser plena tanto na base como no topo da pirâmide, e deve começar por nós, arquitetos e urbanistas, produtores do espaço urbano.

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