O fim do Exame de Ordem, um revide político
O fim do já tradicional exame aplicado pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), que visa aferir conhecimentos básicos do candidato a compor os seus quadros, é um desses desvarios que renascem como um ungido de escusas artimanhas do jogo político.
Comum a todas as proposições que se amontam nos escaninhos do Congresso, há um notório revanchismo de caráter não mais que particular dos parlamentares, patrocinado por meio de aguerridas quedas de braço que cotejam a atuação da entidade no cumprimento do seu papel constitucional e a casta de menor fidúcia nos quadros da administração pública, a política, fato que escancara o desempenho meritório do órgão de classe dos advogados enquanto representante da sociedade civil.
O ápice de tal contenda deu-se com o patrocínio da OAB pela troca da relatoria do anteprojeto do vigente CPC, até então sob a incumbência de Eduardo Cunha, circunstância que deflagrou o constrangedor encalço do então deputado ao Exame de Ordem, consciente dos efeitos devastadores de sua extinção para a atividade causídica, um achincalhe diante de sua pretérita investida em emplacar os sommeliers como uma categoria preservada da inabilidade dos paladares menos favorecidos.
A agressividade com que os discursos eram empunhados pelo agora presidiário ressoa nas pregações do deputado José Medeiros, o autor de uma requentada proposição originada da carreira parlamentar de Bolsonaro, figuras que compartilham, além do partido, semelhante belicosidade quando o tema é a OAB.
No manancial argumentativo dos descontentes com as reiteradas reprovações, uma miscelânea de questões cuja complexidade pouco ultrapassa as raias do mediano, revezam-se teses já pacificadas pelo STF, como a própria constitucionalidade da avaliação, com a comiseração dos veteranos repetentes, que recorrem aos esforços envidados nos cinco anos de curso para defender a sua anistia, como uma dispensa final dos estudos, justo o elemento partilhado por todos os aprovados.
Portanto a automática ascensão de um sem número de bacharéis reprovados para a categoria dos que expenderam vultosas doses de energia para a sua aprovação reproduziria uma tenebrosa iniquidade.
As ruidosas reivindicações pela assinatura de um decreto tendente a revogar uma norma estatuída por lei, um desconcertante disparate jurídico, reforçam a imprescindibilidade do exame e a sua urgente adoção como um crivo para o exercício de outras atividades. É de se acentuar que tal exigência apenas antecipou uma necessidade que se tornaria improtelável em todas as áreas nas quais a perícia e a responsabilidade representam as vigas que sustentam os seus profissionais.
A expansão desenfreada de instituições privadas favoreceu a abertura do universo forense para quem pouco transitou pelas minudências de territórios letrados e intelectualizados, pormenor que o ensino superior não intenta corrigir.
As aterradoras taxas de reprovação não são um atestado da perversidade da OAB, mas da triste evidência de que a quase inexistência de uma educação de base é uma das mais portentosas deformidades da formação dos profissionais brasileiros, conjuntura desprezada por quem deveria trabalhar para reconstruí-las, em vez de empenhar-se em embates que ambicionam deleites particulares que resvalam no desmantelamento de toda uma classe.
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