As várias faces da crise capixaba


Por Roberto Perobelli, professor da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES)

09/02/2017 às 03h00- Atualizada 14/02/2017 às 15h46

Não é preciso ser capixaba, nem, tampouco, morar no Espírito Santo para se receber uma enxurrada de mensagens, fotos e vídeos nas redes sociais com menções ao caos que foi instalado no estado. Em princípio, algum cético pode retaliar, dizendo que esse exagero é obra de uma mídia sensacionalista e que as coisas “não são bem assim”. Pode até ser que haja certo excesso nas postagens e nas reportagens, mas o que ocorre de fato em terras capixabas desde o último fim de semana se resume a um somatório de crises, que resultaram no confinamento da maioria das pessoas em suas casas, justificado pelo medo de sair às ruas e amplificado pelas notícias de falta de um acordo entre manifestantes nas portas dos quartéis e Governo do Estado.

A primeira crise é de segurança, mesmo. A promessa de que a chegada de militares, tanto da Força Nacional de Segurança Pública (FNSP) quanto das Forças Armadas, traria, na avaliação do Governo, um certo alento à população parece não ter se concretizado, pois os números continuam alarmantes. Até a tarde de ontem, segundo dados da delegacia de furtos e roubos de veículos de Vitória, contabilizaram-se 200 ocorrências, e o prejuízo do comércio, segundo informações da Fecomércio-ES, é estimado em R$ 90 milhões. Além desses números, outro, mais preocupante: segundo o sindicato da Polícia Civil do Estado do Espírito Santo, 90 mortes violentas já aconteceram em todo o estado desde o último sábado.

Diante desses fatos, a segunda crise: a psicológica. Tomando os dados acima como base, fica fácil responder por que, desde então, as ruas continuam vazias, por que as escolas e universidades continuam com suas atividades suspensas, por que os atendimentos nos serviços básicos de saúde estão interrompidos e por que o serviço de transporte público está parado. O medo impõe uma nova rotina à população: os supermercados, por exemplo, já atendem em horário reduzido, restringindo a entrada de clientes e gerando filas enormes, quer nas portas dos estabelecimentos, quer nas filas dos caixas (some-se a isso a ausência de funcionários e funcionárias, por razões compreensivelmente dedutíveis).

A terceira crise é política. O governador em exercício, César Colnago, o governador licenciado, Paulo Hartung, e o secretário estadual de Segurança Pública, André Garcia, deram uma entrevista coletiva ontem de manhã, ratificando a posição de que não iriam negociar com manifestantes enquanto os policiais não voltassem ao trabalho. Ocuparam-se menos em informar como tentariam resolver o impasse e mais em desmentir informações sobre o tempo com que o Governo não fornecia aumento aos militares – manifestantes afirmam que não há reajuste há sete anos, enquanto o Governo diz que paga o salário inicial de R$ 2.640 aos policiais militares desde 2014. Além disso, na conversa com os repórteres ontem, os representantes do Executivo estadual também se ocuparam em acusar os policiais e seus representantes no movimento – já que, pela Constituição, policiais militares não podem fazer greve – de estarem sendo manipulados por lideranças políticas em “reuniões escondidas” (palavras do governador licenciado).

Entre tantos desdobramentos de uma mesma crise, estão os capixabas, de nascimento ou de coração (como eu, que sou juiz-forano, mas moro e trabalho em Vitória há três anos). Os principais beneficiários dos serviços de segurança agora se veem literalmente aprisionados pela falta desses serviços. A solução para esse conflito não parece ser simples, mas também não pode ser demorada, porque os efeitos dessa insegurança são mais sentidos exatamente por quem, neste momento, se sente profundamente impotente para resolvê-lo.

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