Patrimônio cultural (II): as inconstitucionalidades


Por Guido Bilharinho, Colaborador

07/11/2019 às 06h00- Atualizada 08/11/2019 às 21h00

A preservação de imóveis antigos, a pretexto de terem valor cultural (histórico, arquitetônico, artístico, arqueológico, etnológico, etc.), incide em inconstitucionalidades, já que intervém na relação de propriedade entre os indivíduos e seus imóveis, congelando estes e impondo àqueles responsabilidades e ônus para sua conservação e lhes retirando o direito de uso e usufruto ao impedir-lhes de alterá-los, demoli-los e vendê-los pelo valor de mercado, já que, neste último caso, ao serem tombados ou inventariados, automaticamente se desvalorizam, marginalizando-se e se tornando infensos à comercialização, com isso criando, em duplicidade de tratamento, duas ordens de proprietários ao diferençá-los em relação a seus imóveis.

O artigo 5º da Constituição Federal dispõe que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza…”.
Tal cláusula, por estabelecer princípios e diretiva geral, constitui norma pétrea, não podendo ser objeto de deliberação e proposta de emenda, consoante o estabelecido no disposto no § 4º do artigo 60, prevalecendo sobre qualquer outra estipulação da própria Constituição.

Seu alcance e seu fundamento são tão amplos e abrangentes que geralmente seu significado escapa à compreensão daqueles que se limitam a contato e conhecimento ligeiros, descontextualizados de todo o diploma constitucional.
Em todas as circunstâncias é de se verificar previamente se esse princípio basilar não está sendo violado ou conspurcado por outras normas constitucionais e pela legislação infraconstitucional.

A própria Constituição, ao também estabelecer no § 1º do artigo 216 que “o Poder Público, com a colaboração da comunidade, promoverá e protegerá patrimônio cultural brasileiro”, prescreve, em atendimento ao imperativo consubstanciado na citada norma pétrea, a imprescindibilidade da colaboração (não de imposição como vem ocorrendo), que implica concordância dos proprietários à interdição de seus imóveis e à restrição do direito constitucional de propriedade e da livre iniciativa, fundamento do próprio regime econômico do país. No caso, ninguém é mais “comunidade” do que eles.

Toda legislação infraconstitucional anterior em sentido contrário (Dec-Lei nº 25/1937, por exemplo), encontra-se derrogada pela Constituição vigente, e toda norma posterior que a contrarie está irremediavelmente contaminada de inconstitucionalidade, não podendo ser aplicada.

Em consequência, o ato de tombamento e inventariação de imóveis que não conte com a colaboração ou concordância expressa do proprietário jaz fulminado pela pecha de inconstitucionalidade, concordância esta que, todavia, é relativa, precária e provisória, podendo ser rejeitada posteriormente pelo proprietário e seus sucessores ao se considerarem prejudicados e em desigualdade com o tratamento dispensado aos demais proprietários.

No caso, além de terem seus imóveis interditados, desvalorizados, engessados e tornados incomercializáveis, os proprietários ainda são responsabilizados diretamente por sua conservação, sob pena de multa!, nada disso ocorrendo com os que não têm imóveis inventariados.

A discriminação, a desigualdade de tratamento, patenteia-se de plano, à prima facie, criando no país duas ordens de proprietários. Uns, com interdição de seus imóveis acrescida de ônus e responsabilidades. Outros, os demais, livres dessas restrições, prejuízos e encargos. Situação, pois, a dos primeiros, que não pode prevalecer.

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