Dar as costas aos oprimidos
O impeachment da presidente Dilma Rousseff é uma página negra na história da democracia brasileira. É uma afronta à vontade da maioria popular que a reelegeu em 2014. Os 61 senadores que votaram pela cassação do mandato de Dilma ignoraram a escolha da população nas urnas e jogaram no lixo o voto de mais de 54 milhões de brasileiros.
É de se indignar assistir a um senador pró-impeachment afirmar que não houve crime de responsabilidade por parte da presidente, mas votou a favor por não haver “governabilidade”, como fez Acir Gurgacz (PDT-RO). “Temos convicção de que não há crime de responsabilidade neste processo. Mas falta governabilidade”, declarou o senador à TV Senado após a votação.
Senadores do PMDB votaram a favor do afastamento definitivo da presidente e, em seguida, decidiram votar contra a ilegibilidade de Dilma e o impedimento de ocupar de cargos públicos durante oito anos. Talvez seja a voz da consciência, que pesa como chumbo neste momento. Isso se consciência for algo que eles possuem. Como fica a tal “governabilidade” do presidente recém-empossado, já que o voto dos senadores de seu próprio partido na segunda votação desagradou seus aliados do PSDB e do DEM?
O impeachment se iniciou no final de 2015 com a tramitação na Câmara dos Deputados, a mando do hoje afastado deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), acusado de envolvimento no escandaloso episódio do petrolão. Não é de se espantar a conivência da grande imprensa brasileira com o impeachment, enquanto veículos internacionais colocaram diversas vezes em dúvida as verdadeiras motivações do julgamento. “No fundo, o impeachment sempre foi político. Rousseff foi julgada (e condenada), entre outras coisas, por sua gestão”, afirmou o espanhol “El País”.
O processo foi amparado pela Constituição, porém, não carece de fundamento. A acusação se valeu da retórica, e não da verdade dos fatos. Trata-se de um golpe não só em Dilma Rousseff, mas em mais de 54 milhões de pessoas que a colocaram no poder através do voto, como deve ser. E, principalmente, foi um golpe na democracia do Brasil.
Uma meia dúzia de engravatados retirou do poder uma presidente legitimamente eleita pelo povo, que não pode se resignar diante da injustiça, que não pode ficar parada olhando os cortes nas políticas públicas que afetarão os menos favorecidos. A defesa de Dilma Rousseff certamente recorrerá ao STF e não se entregará. Na noite de 31 de agosto de 2016, Dilma não dormiu mais como presidente, mas, certamente, deitou sua cabeça no travesseiro com a consciência de que quem se curva aos opressores dá as costas aos oprimidos.