Nem santo, nem tampouco Lúcifer


Por José Aparecido Ribeiro, licenciado em filosofia e consultor em assuntos urbanos

02/02/2017 às 03h00- Atualizada 02/02/2017 às 08h59

A prisão de Eike Batista em uma cela medieval revela entre outras coisas a esquizofrenia do povo brasileiro. Muito mais do que a pretensa justiça que justifica a barbárie a um cidadão abastado, o que se vê é um acinte ao direito inalienável à liberdade de quem não representa risco para o coletivo. Você consegue se imaginar na pele de Eike? É evidente que ele não é inocente, tampouco é bandido que mereça o que está passando. Uma coisa é torcer para que um estuprador, um assassino serial killer, um político corrupto ou mesmo um religioso cafajeste, que extorque inocentes em nome de Deus nas periferias brasileiras, pereçam na prisão. Outra muito diferente é comparar o crime de Eike ao de um estuprador, tirando dele a liberdade e confinando-o ao lado de marginais em uma cela de 6m².

Jogar um homem do céu para o purgatório em menos de 24 horas não me parece algo razoável e aceitável. Privá-lo da liberdade, sim; trancafiá-lo no inferno, não. Lembre-se de que até semana passada suas companhias eram presidentes da República, senadores, deputados, prefeitos, desembargadores, procuradores, empresários respeitados e políticos que nós elegemos. Diga-me com quem tu andas que te direi quem tu és. Se valer a máxima, faltarão celas nas masmorras indignas do sistema prisional brasileiro. Ninguém merece as cadeias deste país, comparadas ao inferno na terra, embora alguns sejam dignos delas pela crueldade de seus crimes ou mesmo pelo cinismo que lhes garante mandatos políticos.

Ao ver a entrevista de Eike para o repórter da Rede Globo no aeroporto JFK em Nova York, qualquer indivíduo minimamente sensato percebeu que ele pode ter errado e que merece punição exemplar, mas não se trata de um bandido que deva receber o tratamento que está tendo. Tive compaixão e consegui, mesmo que de longe, me solidarizar com o seu drama. Aliás, certamente, ele não imaginava um fim tão indigno. A histeria coletiva pela qual o povo é movido deveria vir baseada no princípio da razoabilidade. Não é isso que estamos percebendo.

Trancafiar Eike Batista ao lado de estupradores e assassinos é prova inequívoca de que nossa democracia adoeceu e de que nossa justiça não é tão justa assim. O povo brasileiro precisa reagir menos e refletir mais. Precisamos de mudanças de rumo. Não é de Eike a responsabilidade única dos absurdos a que o Brasil assiste, mas do modelo político falido, cujos maiores beneficiários são os que se aproveitam dele, induzindo empresários e cidadãos ao crime, especialmente crimes financeiros. Os beneficiários do banditismo “democrático” seguem livres, leves e soltos, roubando a população brasileira impunemente. Ironicamente, eleitos pelo mesmo povo incauto que vibra com a prisão de Eike, achando que agora tudo será diferente.

O povo brasileiro perdeu a noção de justiça, está cego, infantilizou-se, padece da falta de bom senso e compaixão. Pior do que Eike, é o modelo que em nome da liberdade permite a qualquer um o que não deveria ser para qualquer um… O exercício da política por bandidos travestidos de cidadãos.

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