PESCOÇO ALHEIO
Enquanto a lava jato fustigava as instâncias de poder, envolvendo sobretudo técnicos que se deixaram levar pela cobiça e fizeram do dinheiro público um patrimônio pessoal, o poder político se manifestava a favor, exigindo novas e intensas investigações do Ministério Público e da Polícia Federal. Só não contava que sua vez iria chegar. Os agentes e procuradores cruzaram a rua e chegaram ao Congresso, e o que se viu, até agora, embora seja apenas a ponta do iceberg, é preocupante, pois aponta para um discurso dúbio de tais personagens. Para as arquibancadas, defendem a operação; nos bastidores, batem firme nos investigadores, especialmente no procurador-geral da República, Rodrigo Janot.
O que chama a atenção, porém, é que não há surpresa nas recentes denúncias. O poder está se comendo por dentro num jogo de salve-se quem puder. Mais do que isso, estão em curso ações pontuais para impedir o avanço das investigações, pois há a possibilidade de se salvarem poucos. Os grampos efetuados pelo ex-presidente da Transpetro, Sérgio Machado, envolvendo o senador Renan Calheiros e o ex-senador (ainda poderoso) José Sarney, apontam para uma linha de ação visando parar a operação.
Ante tais exposições, a instância política, com seu poder de mutação, se manifesta a favor dos procuradores e dos agentes, mas trabalha para que coloquem o pé no freio, sobretudo por uma característica própria da atual fase: ninguém sabe quem é quem; o inimigo pode morar ao lado, numa desconfiança geral.
Há o lado perverso desse enredo, quando denunciados, para salvar a própria pele, se propõem a criar fatos. Por isso, é fundamental que as delações sejam constatadas, pois jogar com o pescoço dos outros é fácil. A sociedade, porém, quer a punição dos verdadeiros culpados.