É preciso arrumar a casa
A América Latina pede uma vaga no Conselho de Segurança, mas o continente precisar sair da ciranda de brigas internas e ameaças à democracia
No discurso de abertura da Assembleia Geral das Nações Unidas – que por tradição tem o Brasil como primeiro orador -, o presidente Lula retomou temas de seus dois mandatos anteriores e apresentados em outras ocasiões nas Nações Unidas, como as mudanças climáticas, combate à fome e alteração na própria ONU, para torná-la não apenas um instrumento de mediação, mas também de solução de conflitos. O presidente lembrou que desde a Segunda Guerra Mundial o mundo não presenciava tantos embates, especialmente no leste europeu e no Oriente Médio.
O presidente também cobrou a ampliação do Conselho de Segurança e a inserção de um representante sul-americano não apenas pela representatividade do bloco, mas também para estabelecer equilíbrio geopolítico dentro da organização.
Mas a América do Sul também tem suas responsabilidades e precisa, antes de tudo, resolver suas questões internas. O continente enfrenta vários conflitos entre vizinhos, que, embora mais no campo da retórica do que do enfrentamento direto, reduzem o potencial de pressão quando se pede espaço no Conselho de Segurança. O Brasil também precisa avaliar seu papel nesse cenário, por sustentar governos instáveis, como a Venezuela.
O próximo teste deve ocorrer ainda esta semana, numa reunião paralela à Assembleia Geral da ONU. A Argentina vai apresentar propostas que levem à exclusão da Venezuela de fóruns internacionais ao mesmo tempo em que os dois países vivem uma situação surrealista se não fosse trágica. Por iniciativa do presidente Milei, a Justiça argentina pediu a prisão de Nicolás Maduro, por violações dos direitos humanos na dura ação repressiva para manter o seu governo.
Maduro, por seu turno, incentivou e o Tribunal Supremo de Justiça da Venezuela aprovou um mandado de prisão preventiva contra o presidente argentino sob a acusação de roubo agravado, privação ilegítima de liberdade, interferência ilícita na segurança operacional da aviação civil, inutilização de aeronaves e associação criminosa.
Não bastasse esse entrevero, a Nicaragua vive tempos de intolerância com o presidente Daniel Ortega dando passos atrás na democracia. Líder do Movimento Sandinista que derrubou o ditador Anastásio Somoza, em 1979, ele tornou-se uma cópia do ditador. Seu primeiro mandato de 1979 a 1990 ainda foi marcado pela recuperação do país. A segunda passagem, não. Eleito em 2006, foi reeleito em 2011, 2016 e 2021, esta última após mandar prender líderes de oposição.
O Brasil tem papel estratégico nessas questões, o que e exige de sua diplomacia ações imediatas e assertivas, não ficando apenas na contemplação dos impasses que estão aumentando pelo mundo afora e no Cone Sul.
O presidente está correto na agenda que levou a Nova York, inclusive em outros encontros, como a que traçou metas para o futuro, mas é necessário, também, se mostrar forte na questão evolvendo os vizinhos, a fim de evitar o ciclo de governos instáveis que permeou a política de vários países do entorno.
Agora mesmo, na vizinha Bolívia, o ex-presidente Evo Morales liderou uma marcha na Bolívia para contrapor-se ao mandato do ex-aliado Luiz Arce. De acordo com analistas, essa é a crise mais grave enfrentada pelo fraturado Movimento ao Socialismo (MAS), que governa o país há 17 anos. Arce e Morales estão disputando a liderança e o controle do aparato do partido antes das eleições presidenciais
Há, pois, muito a ser feito por aqui.