BÊBADOS E A LEI
O ministro Gilmar Mendes, como é de seu estilo, bateu duro num dos artigos da Lei da Ficha Limpa, considerando que o texto foi produzido por “algum bêbado”, referindo-se, especialmente, ao artigo que dá a tribunais o direito de suspender mandatos políticos. Tirando o adjetivo, ele tem razão, pois a Justiça, a despeito de ter prerrogativas, deve, antes de tomar tais decisões, consultar o foro adequado, no caso, as casas legislativas – câmaras municipais, assembleias legislativas e o Congresso Nacional. Caso contrário, há uma clara interferência de um poder sobre o outro, quando a Constituição diz textualmente que eles são harmônicos, mas independentes.
Mas, se o ministro está correto nesta assertiva, há o outro lado da moeda. Se não houver pressão externa, inclusive de outro poder, os legisladores usam o velho modelo corporativista de proteção aos seus. Notórios casos de encerramento compulsório do mandato esbarraram nos acordos de bancada, a despeito de provas robustas sobre ilícitos ou danos ao regimento interno. Em suma, os políticos se protegem, mesmo em situações em que deveriam tomar providências. O caso mais emblemático é o do ex-presidente da Câmara Federal Eduardo Cunha. Até hoje, mesmo diante de tantos vícios, ele ainda mantém o seu mandato, não apenas por força dos inúmeros recursos protelatórios, mas também por conta de seus apoiadores, que usam de todos os meios para evitar uma decisão de mérito.
Mesmo se for cassado, o Legislativo não se redime, pois uma eventual decisão nesse sentido só vai se manifestar por causa da pressão popular. Desde 2013, quando o povo foi às ruas para protestos difusos, o nome do parlamentar estava na lista das demandas que deveriam ser resolvidas. Os protestos aconteceram há três anos, mas Cunha sobrevive. Por isso, quando o ministro questiona a legislação, esquece o fundamento social que a envolve. As ruas, de onde o texto é oriundo, entenderam que era preciso ampliar a fiscalização, por já saber que, se ficasse apenas entre os políticos, os avanços seriam precários. A norma, pois, não partiu de bêbados, mas de quem sabe o que poderia acontecer se não fosse desse jeito.