TÁBUAS DE SALVAÇÃO
A conquista da medalha de ouro pela judoca Rafaela Silva, da comunidade de Cidade de Deus, ressaltada em todos os fronts como uma vitória da superação, deveria, no entanto, se estender, para não incorrer no esquecimento do dia seguinte, algo comum no país. Mais do que uma conquista individual, ela serve como uma denúncia: quando há apoio, é possível igualar as chances. Sem ele, as desigualdades só se acentuam. O viés de denúncia se faz pelo fato de não ter sido o Estado, mas uma entidade de abnegados, entre eles o judoca Flávio Canto, a mão que se estendeu para a menina de 8 anos que estava sob risco social.
Há muitas outras Rafaelas em situação idêntica, que, no entanto, não têm a mesma chance e acabam se perdendo pelos descaminhos da vida, fruto, sobretudo, da carência de políticas públicas. A despeito dos reconhecidos avanços, ainda há muito a ser feito. O esporte é uma das portas de entrada que carece de mais investimentos. Não se trata apenas do futebol, que produz milionários, mas com um rastro de salários baixos, que não chega ao noticiário. É vital diversificar, procurar talentos e fazer deles referência para outros. Hoje, os modelos seguidos vêm do tráfico e dos enfrentamentos de gangues. Essa é a luta a ser comprada.
A jogadora Marta, que deixa no chinelo os milionários do time masculino de futebol, é outra sobrevivente, da mesma forma que Vanderlei Cordeiro de Lima, o ouro que não veio da Maratona de Atenas, mas que acabou no panteão dos Jogos Olímpicos por não fazer de sua tragédia pessoal – ser tirado da disputa por um ex-padre louco – um texto para justificar o terceiro lugar. Ao contrário, homenageou os vencedores e por eles foi reconhecido como o verdadeiro campeão.
Os “sobreviventes” são o ponto de partida, uma vez que, se investir no esporte e na educação, o país mudará seu norte e o de milhares de pessoas talentosas que não conseguem emergir em função do descaso oficial, que não as enxerga nas periferias, nos guetos e nem nas encostas das cidades.