Viés humanitário
Quando o fluxo migratório se intensificou na Europa, a Comunidade Econômica realizou um fórum para analisar suas consequências, e o Brasil foi um dos países convidados para apresentar suas experiências, especialmente com população em situação de rua. A Europa rica não tinha – e ainda não tem – a menor ideia de como lidar com tal questão, adotando políticas ora de acolhimento, ora refratária aos novos inquilinos. O desafio continua, pois a demanda não refluiu, a despeito dos embargos adotados por alguns governos com deportação para outras regiões.
Embora com expertise, o Brasil também enfrenta dificuldades com tal população, paradoxalmente pelos efeitos da globalização. Tanto as virtudes quanto as mazelas saíram de seus guetos e se espalharam. Se já tínhamos a competência, agora, herdamos também o lado perverso, como o preconceito com tais personagens e até mesmo intolerância. O diagnóstico apresentado pela Secretaria de Desenvolvimento Social é claro: 70% desses moradores já sofreram algum tipo de violência moral; 38%, violência física; 64%, violência patrimonial, e 10%, violência sexual. Outro dado emblemático é a cidadania: 70% não possuem certidão de nascimento, enquanto 40% não possuem documento de identidade. São, portanto, párias de uma sociedade cada vez mais competitiva e, por ironia, na qual também os grupos procuram definir suas identidades.
A solução está na busca de políticas públicas para o setor, que devem, no entanto, começar na base. A maioria dessas pessoas saiu de casa por algum impasse ou por conta do desemprego. Sem laços familiares, criam vínculos com as ruas, se recusando até mesmo a receber apoio. Alguns rejeitam abrigos, por questionar sua estrutura, preferindo o relento, no qual vivem sob o risco permanente de algum tipo de agressão, muitas vezes, até dos próprios companheiros.
O estudo desenvolvido ao longo de sete meses pelo Comitê Pop Rua, com apoio de pesquisadores da UFJF, é importante, pois não se restringe a apontar o problema, mas também sugestões. Na edição de ontem, várias delas foram contempladas na matéria apresentada pela Tribuna. Algumas demandam recursos, mas é fundamental sua adoção por conta do viés humanitário, que deve ser uma preocupação permanente e coletiva.