Debate aberto
Proposta de reduzir municípios pode não ter consequências imediatas, mas dá margem para uma ampla discussão sobre o papel das administrações
O ministro Paulo Guedes apresentou uma das maiores mudanças econômicas sob a égide da Constituição de 1988, mas terá grandes desafios para tirar do papel uma parte do pacote encaminhado ao Congresso na última terça-feira. Um deles é a extinção de municípios com menos de 5 mil habitantes e arrecadação própria inferior à receita total, cuja implementação deve ocorrer a partir de 2026. De acordo com estudos do Governo, 1.254 municípios estão inseridos nas duas condições. Uma lei complementar definirá qual município vizinho absorverá a prefeitura deficitária.
Há fortes razões para considerar que muitos municípios não deveriam ter sido elevados a essa condição por não terem meios para garantir condições mínimas para a população. Boa parte mudou de status em decorrência de ingerências políticas, implicando mais cargos para serem preenchidos pelo velho modelo de apadrinhamento. Minas, com 853 municípios, é o estado com maior número de prefeituras, boa parte delas dependendo basicamente dos repasses constitucionais e do Fundo de Participação.
O entendimento da área técnica do ministro Paulo Guedes passa pelos custos. Embora tenham receita precária, tais municípios precisam pagar folha de funcionários, salários do prefeito, do vice, do secretariado e dos vereadores, estes por meio de repasses obrigatórios. O pacote do Ministério da Economia também estabelece que prefeituras e governos estaduais poderão contingenciar (bloquear) parte dos orçamentos do Legislativo, do Judiciário e do Ministério Público, prerrogativa, hoje, apenas da União.
Convencer os deputados de tal necessidade não será algo fácil, ainda mais às vésperas de um ano eleitoral, quando as prefeituras – deficitárias ou não – estarão renovando suas lideranças. É fato que, pelo pacote, elas estarão fora da mudança prevista para 2026, mas, quando tomam posse, os prefeitos, governadores e presidentes, ante o que lhes permite a lei, já assumem o mandato pensando na reeleição. Por isso, vão cobrar resistência dos parlamentares, alguns deles candidatos.
A discussão, porém, não se esgota sob esse viés. É necessário avaliar a repercussão da mudança. O rebaixamento terá consequências para a população com a possível perda de serviços; os municípios incorporadores teriam meios de suportar esses novos custos? Algumas soluções podem ser tomadas com a redução de despesas sem a extinção dos municípios. Esse é o entendimento de entidades representativas, como a Ampar, que gerencia o interesse das cidades da Zona da Mata.
A iniciativa, a despeito de seu desfecho, abre espaço para uma ampla discussão sobre o pacto federativo e o papel de estados e municípios hoje penalizados pela concentração de recursos nas mãos da União. Embora o Governo sinalize com novos tempos, por conta dos repasses do pré-sal, modernizar as administrações é uma necessidade, o que pode implicar, inclusive, a redução de seu tamanho.