ATRÁS DO SILÊNCIO
Abrigada no silêncio de um programa de proteção a testemunhas – o que implica novo endereço, nova identidade e nova vida -, a jovem estuprada no Rio de Janeiro por um grupo, não importa se um ou trinta, é a face exposta de uma situação que marca o cotidiano de várias personagens anônimas, sem que a própria sociedade discuta profundamente a questão. Prefere, na maioria das vezes, fugir ao tema ou imputar à vítima a responsabilidade pela violência sofrida. Foi o que fez o primeiro delegado a presidir o inquérito. Suas perguntas foram mais para constranger a jovem do que para esclarecer os fatos. Nas redes sociais, foi possível perceber postura semelhante nas diversas postagens em que a vítima foi tratada como uma frequentadora contumaz dos barracos e habitué de camas na comunidade.
Num momento em que a sociedade volta a se discutir, a questão da mulher precisa estar na pauta, pois o episódio do Rio e seus desdobramentos são a face exposta do comportamento coletivo, no qual a questão sexual é vista, basicamente, sob o viés masculino. O homem que se envolve com muitas mulheres é o cara; a mulher que ousa fazer o mesmo, é prostituta. Sem entrar no mérito de tal atitude, o que se vê é a distinção no julgamento, algo que precisa ser discutido profundamente, a partir das próprias famílias e chegando às escolas e às ruas.
A sociedade tem que mudar seu olhar, pois há outras tantas jovens que viveram ou vivem situação semelhante, não num barraco, mas em espaços de luxo, no trabalho ou nas escolas, que se escondem atrás do silêncio por temer a nefasta exposição. Ampliar as penas é um passo adiante, mas, antes de punir, é vital prevenir. Para tanto, faz parte dessa etapa a conscientização coletiva, capaz de evitar os muitos e sistemáticos equívocos até então cometidos.