CULTURA DO MEDO


Por Tribuna

01/07/2016 às 07h00- Atualizada 01/07/2016 às 08h58

O estupro, por si só, é um crime hediondo, pois dá ao seu autor o poder da autoridade, e, à vítima, a humilhação; quando praticado em grupo, a situação se agrava sobremaneira, pois revela o caráter coletivo resultante de uma perversa competição entre os autores mesclada pelo conluio. Quem ficar fora sofre retaliações. E, no meio desse jogo de egos, a vítima indefesa – talvez na maioria das vezes – é execrada pela mesma sociedade que condena o delito. Basta ver, sobretudo na internet, o tráfego de comentários tipo “o que ela tinha que fazer lá; foi porque quis, provocou os caras”, e por aí vai, jogando a culpa em quem, em vez disso, precisa de acolhimento e atenção, não apenas nos primeiros momentos, mas por um bom tempo, carecendo, mesmo, de acompanhamento profissional de um psicólogo ou psiquiatra. Afinal, trata-se de um trauma que não some com o tempo se não for seguido de tratamento.

O caso recente, de uma jovem estuprada na Vila Olavo Costa, cuja lista de autores já chega a dez, é emblemático, pois aponta para uma situação que não é tão fora da curva como parece. Em números, talvez, mas o crime é o mesmo. E aí as estatísticas são perversas. A violência sexual está presente em todas as camadas sociais, e, em muitas delas, não há denúncia por conta da cultura do medo, que permeia relações. Muitas vítimas temem abrir a boca, pelo receio de ser apartadas do meio ou de sofrer algum tipo de retaliação dos autores. O que pouco se discute é que o estupro ocorre de várias formas, envolvendo também casais formais, como marido e mulher. Basta um não; e, se mesmo assim a relação ocorrer , ele se tipifica.

Há um longo caminho pela frente, com a mudança devendo ter na própria família a sua gênesis. O discurso também tem que ser outro. Em vez de dizer às meninas para que tomem cuidado, é fundamental dizer aos meninos para que não violentem. Não será uma virada fácil, uma vez que, a despeito do novo século, o viés machista continua forte na sociedade pós-moderna. Em algumas regiões, a mulher ainda é vista como de segunda linha, um paradoxo para um mundo com tanta tecnologia de informação.

A quebra do silêncio é um dado importante, pois outras tantas e silenciosas vítimas serão convencidas a denunciar, sob a certeza de que os autores serão punidos. Esse, talvez, seja o primeiro grande desafio.

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