Com reeleição histórica, especialista analisa desafios que próximo mandato municipal enfrentará
Margarida Salomão (PT) pode lidar com polarização política, dependência de recursos federais e maiores cobranças em segundo mandato
A reeleição de Margarida Salomão (PT) com 53,96% dos votos, no pleito deste domingo (6), acontece com marca histórica: é a primeira vitória em primeiro turno desde a redemocratização. Apesar da margem que a separou dos candidatos Charlles Evangelista (PL), com 27,53% em segundo lugar, e Ione Barbosa (Avante), com 9,92% em terceiro lugar, a prefeita lida com um cenário geral de polarização política e de uma Câmara com candidatos de oposição direta. Além disso, há cobranças maiores para um segundo mandato, em que o Executivo tem mais tempo para concretizar suas propostas. O cientista político Paulo Roberto Leal analisa o cenário e indica os desafios que o próximo Governo deve enfrentar.
Ao longo da campanha municipal, as pesquisas eleitorais já indicavam que a reeleição da candidata poderia acontecer. Como explica o professor da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), os dados sobre o mandato de Margarida também indicavam uma avaliação muito positiva do
Governo por boa parte da população. “A variável de avaliação é altamente relacionada com a reeleição, é a mais antecipadora da chance de sucesso eleitoral, e, na pesquisa da MDA, a avaliação de bom e ótimo superava a de regular e, muito largamente, a de ruim e péssima”, explica. Para ele, além da intenção de votos, essa pesquisa significava que uma parcela majoritária da sociedade considerava que o Governo está entregando fundamentalmente o que prometeu na campanha passada.
O mais chamativo nesses dados, em sua perspectiva, é que eles indicavam uma votação para além dos trilhos históricos dos chamados ‘votos de esquerda’ na cidade. “Ela não recebeu votos só de esquerda, ou não alcançaria a primeira eleição sem necessidade de segundo turno da história da cidade. É um sintoma de que o apelo eleitoral de Margarida chegou a segmentos do eleitorado que não necessariamente se percebem como sendo de esquerda”, destaca. Para o cientista, essa capacidade de furar a bolha da polarização ideológica talvez seja uma variável importante para entender o sucesso eleitoral da prefeita. No entanto, não significa que a polarização tenha deixado de marcar Juiz de Fora – seguindo um cenário nacional, o candidato do PL esteve em segundo lugar.
O principal desafio que o cientista político enxerga que a prefeita possa enfrentar, no entanto, está ligado aos compromissos assumidos pela campanha, que implicam em transferências de recursos federais. “O Governo fica muito dependente da execução orçamentária da União, tal como está prevista, e que nem sempre se realiza”, destaca, sobre os recursos que não ficam disponíveis imediatamente para o Poder local e que, como ela afirmou, seriam usados para reduzir filas na saúde. Para o especialista, isso pode aumentar a dependência da circunstância econômica, fiscal e política nacional para alguns desses compromissos saírem do papel, a partir de contextos que não dependem das ações da prefeita.
Planos do Governo
Apesar das pesquisas de avaliação do Governo serem positivas, não foram divulgados, para análise, quais pontos do Governo foram mais bem avaliados e quais não tinham tido um olhar positivo da população. A respeito disso, o cientista político enxerga que, a partir das apresentações públicas da petista, é possível ter pistas: “A julgar pelas falas de Margarida e das pessoas do seu Governo durante a campanha, se verificava que há um conjunto de compromissos em aprimorar políticas públicas de transporte e saúde”, diz. Ele sinaliza que isso pode indicar a existência de mais críticas da sociedade em relação ao desempenho dela no primeiro mandato. “É possível deduzir que essas políticas sejam vistas como pontos nos quais o primeiro mandato não alcançou o que queria”, diz.
Durante a campanha, conforme registrado pela Tribuna, algumas das prioridades de Margarida foram relacionadas à duplicação do tratamento de esgoto, ao uso dos recursos do Programa de Aceleração do Crescimento para mudar a infraestrutura urbana da cidade e a uma nova contratação para o transporte público.
Polarização e cobranças maiores
Para entender a eleição municipal deste ano, conforme analisa Leal, também é importante compreender que a extrema direita ainda tem presença forte na cidade. “O candidato Charlles Evangelista subiu, se as pesquisas estiverem corretas, mais intensamente depois que ficou claro para grande parcela do eleitorado que ele era o candidato do Bolsonaro e que mais conscientemente abraçava uma postura próxima ao bolsonarismo, e isso se traduziu também na Câmara, com o crescimento da bancada do PL”, explica o cientista político. Na Câmara, no entanto, entende que o perfil de muitos dos eleitos, ainda que oficialmente não façam parte da coligação, já era de integrantes da base de apoio do primeiro Governo, e foram eles que ajudaram a garantir a governabilidade do primeiro mandato, mesmo não sendo do campo político dela.
A expectativa, ainda, é de que não exista um custo de continuidade, porque o Governo permanece, mesmo que possam acontecer mudanças pontuais. “Os eixos estruturantes ficam, e isso está associado a uma maior permanência das políticas do mandato anterior. O que é comum é que governos tenham níveis de cobrança maiores da sociedade no segundo mandato, porque, ao se conceder uma prorrogação do mandato originário, parcelas da sociedade estão também mais dispostas a cobrar a entrega integral daquilo que foi prometido. Os níveis de exigência por parte de setores organizados são maiores”, diz.
Futuro dos demais candidatos
Os candidatos que saíram de cargos federais e estaduais para participarem do pleito municipal, diante desse cenário, podem ter diferentes caminhos: é possível que ganhem força para uma nova eleição, tentem outros cargos e também caiam no esquecimento. Conforme explica Paulo Roberto: “As disputas legislativas do Brasil têm alto grau de imprevisibilidade. Não necessariamente um insucesso numa disputa legislativa significa que não houve acúmulo de capital eleitoral utilizável adiante. Ao contrário: às vezes, as pessoas se candidatam para cargos nos quais têm menos chances, mas com expectativa de que vão sair maiores do que entraram e que assim vão produzir visibilidade que gere ganhos eleitorais futuros. O cálculo não é só de vitória ou derrota: há ganhos possíveis mesmo nos casos em que a pessoa não conseguiu um mandato”, diz.
Comemoração da Praça da Estação
Na noite de domingo (6), assim que 100% das urnas foram apuradas, Margarida Salomão (PT) se encontrou com seus apoiadores na Praça da Estação, no Centro da cidade. A petista comemorou a vitória ao lado de seu vice, Marcelo Detoni (PSB), da secretária de Governo, Cidinha Louzada, e das vereadoras eleitas Laíz Perrut (PT) e Letícia Delgado (PT). Também estavam presentes a atual deputada federal Ana Pimentel (PT) e a presidente do Partido dos Trabalhadores, Fabiana Rabelo .
Margarida agradeceu a campanha, que considerou “a mais bonita e a mais limpa” do pleito municipal. Ressaltou o fato histórico de estar sendo a primeira prefeita reeleita na cidade e atribuiu a vitória ao apoio da população. “Eu quero aqui representar cada um de vocês (…). Quero só agradecer e dizer que nós, agora, vamos fazer muito mais por Juiz de Fora. Isso vai ser histórico. Daqui a cem anos vocês vão lembrar que uma mulher foi prefeita pela segunda vez. Muito mais do que isso: pela primeira vez na história, nós ganhamos no primeiro turno.”
Em entrevista à imprensa, reforçou os compromissos de campanha, como as obras de drenagem e melhorias no transporte público. “Temos muita coisa a fazer. Destacadamente, a realização dos recursos que chegaram com o PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) e que, naturalmente, precisam ser aplicados, mudando fortemente a infraestrutura urbana da cidade.” A prefeita reeleita ainda garantiu manter o preço da passagem dos ônibus e a gratuidade aos domingos.