Pandemia é principal e primeiro desafio da gestão de Margarida

Números de contágio, mortes e hospitalizações são crescentes e já são foco de preocupação do próximo Governo


Por Renato Salles

27/12/2020 às 06h58

Marcado por dificuldades diversas, medos e incertezas, o ano está muito perto do seu desfecho. Em quatro dias, 2020 será, ao mesmo tempo, página virada e um capítulo finalizado a ser sempre revisitado por conta do avanço da pandemia da Covid-19. Em Juiz de Fora, a passagem do dia 31 dezembro para 1º de janeiro significará também o fim de uma era política, com o fechamento do projeto iniciado pelo ex-prefeito Bruno Siqueira (MDB) em 2013 e tocado por Antônio Almas (PSDB) a partir de abril de 2018. A virada marca ainda o início de um novo ciclo, com a deputada federal Margarida Salomão (PT) encabeçando a primeira experiência do Partido dos Trabalhadores e de uma mulher no comando da Prefeitura de Juiz de Fora (PJF).

O desafio do PT e de Margarida tem proporções inéditas, em meio a crise financeira e também todas as adversidades surgidas na saúde pública desde o avanço da curva de contágio pelo novo coronavírus, que já matou mais de 400 pessoas na cidade. Aliás, encontrar um equilíbrio entre a manutenção das atividades econômicas e o controle da pandemia é um grande obstáculo a ser superado. Uma aposta da futura Administração, provavelmente, deve ser na vacinação da população. Recentemente, a futura prefeita anunciou a assinatura de um acordo com o Instituto Butantan para a cessão de um milhão de doses do imunizante que vem sendo desenvolvido pela entidade, o que reforça tal preocupação.

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Futura prefeita aguarda o desenrolar do Plano Nacional de Vacinação, mas trabalha em paralelo com plano municipal, para caso ocorra atrasos ou dificuldades pelo Ministério da Saúde (Foto: Fernando Priamo)

Plano municipal de vacinação é apontado como alternativa

A futura prefeita, todavia, diz que aguarda o desenrolar do Plano Nacional de Vacinação contra a Covid-19, a ser desenvolvido no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). A despeito disso, sua equipe chefiada pela próxima secretária de Saúde, a médica Ana Pimentel, trabalha em paralelo no desenvolvimento de um plano municipal de imunização, a ser colocado em prática caso ocorra atrasos ou dificuldades na execução do projeto trabalhado pelo Ministério da Saúde. Alguns pontos, contudo, ainda precisam ser detalhados. Reportagens veiculadas na mídia nacional apontam que o custo de uma dose da Coronavac a U$ 10. Com base na cotação da última segunda-feira, quando o dólar comercial era negociado a R$ 5,13, os custos para aquisição de um milhão de doses da vacina poderiam superar a casa dos R$ 50 milhões.

Assim, para efetivar um possível plano municipal de vacinação, a próxima Administração precisará trabalhar uma engenharia financeira distinta, uma vez que o orçamento Municipal que estima receitas e despesas para 2021 na casa dos R$ 2,5 bilhões. O texto aprovado este mês pela Câmara Municipal de Juiz de Fora não traz tal previsão de gastos e prevê ainda déficit fiscal estimado em R$ 71 milhões. Tal engenharia financeira, todavia, ainda não foi tornada pública até aqui.

Além do já alegado objetivo de tentar conferir maior celeridade ao processo de vacinação da população, a pandemia deve colocar adversidades mais imediatas para a futura gestão, que vai assumir a Prefeitura com o município enquadrado na onda vermelha do Minas Consciente, conforme decreto publicado na última quinta-feira (24). Com o percentual de ocupação dos leitos reservados à terapia intensiva do tratamento da Covid-19 chegando a quase 87% nas redes pública e privada, é grande a preocupação de que as festas de fim de ano possam resultar em um aumento da curva de contaminação e, com isso, sobrecarregar ainda mais a rede de saúde do município. Caso o preocupante cenário se confirme, equacionar a situação será a pauta prioritária dos primeiros dias do Governo da prefeita Margarida Salomão.

Crise financeira atinge setores diversos da cidade

Margarida também terá pela frente outros desafios a serem superados. Muitos deles passam pela já citada crise fiscal enfrentada pelo Município nos últimos anos, potencializada pelos reflexos trazidos pela pandemia. Várias entidades do setor produtivo da cidade têm sido um obstáculo para a implementação de medidas restritivas de combate ao avanço da pandemia e cobram soluções que não representem nova asfixia financeira dos setores de comércio e serviços na cidade. Nas últimas semanas, após sua eleição, Margarida tem pontuado a necessidade de um maior equilíbrio entre a manutenção da atividade econômica e o enfrentamento ao vírus.

A pandemia também explicitou o desequilíbrio financeiro no atual modelo de transporte coletivo urbano de Juiz de Fora. Tal situação se mostra como um dos principais desafios para 2021. A futura prefeita, no entanto, já destacou a intenção de refazer todo o desenho do sistema. Neste cenário, uma nova regulamentação do setor proposta pela atual Administração teve sua apreciação postergada na Câmara Municipal. Outro fator que incide sobre o transporte coletivo e que deve ser analisado muito em breve pela futura gestão é o aumento da tarifa dos ônibus que permaneceu sem reajustes ao longo do ano de 2020.

Ainda falando sobre transporte coletivo, agora no modal individual, aspectos relacionados à regulamentação da prestação de serviço por aplicativo também devem voltar à pauta ao longo de 2021. Este mês, novas regras para o setor propostas pela gestão do prefeito Antônio Almas chegaram a figurar na pauta de votação do Poder Legislativo. Inclusive, foram alvo de discussões bastante calorosas no último dia 14, quando motoristas autônomos fizeram um protesto em frente à sede da Câmara. Diante das manifestações, os vereadores optaram por postergar o debate, dando, assim, a oportunidade aos profissionais do setor de discutirem a situação junto à nova administração.

Concurso na educação e salários de servidores em dia

Outra grande barreira a ser superada pela futura administração é a realização de concurso público para reforço do quadro efetivo do Magistério municipal. O processo de seleção foi sinalizado por Margarida durante a campanha e uma das principais bandeiras defendidas pelos docentes em suas últimas mobilizações. O concurso, aliás, foi outro ponto colocado pela atual administração cuja discussão acabou comprometida por conta da pandemia.

A proposta do governo Almas, no entanto, foi alvo de resistência por parte dos professores, uma vez que sugeria uma nova carreira para os educadores aprovados no concurso em questão. O entendimento da atual administração era de que a contratação de novos servidores efetivos nos atuais moldes implicaria em despesas que poderiam levar ao Município a ferir os limites impostos pela Lei de Responsabilidade Fiscal no que tange os gastos com pessoal.

Pagamento

Em meio à preocupante situação fiscal, o Governo receberá da atual Administração um quadro em que todo o pagamento dos vencimentos de dezembro, a ser quitado nesta terça, dia 29, e do 13º salário do funcionalismo público municipal estará em dia. A confirmação de tal recorte, feita pelo prefeito Antônio Almas no início do mês, deu certo alívio a equipe da prefeita Margarida Salomão.

A confirmação dos salários e benefícios em dia minimizou as previsões do déficit fiscal para 2021, que, em determinado momento, foi estimado na casa dos R$ 150 milhões. O rombo acabou confirmado em R$ 71 milhões na Lei Orçamentária Anual aprovada este mês pela Câmara.

A despeito do cenário menos turbulento, todos os recortes apontam um ano financeiro de grandes dificuldades e de engessamento de investimentos, uma vez que os auxílios do Governo federal que ajudaram o município a atravessar a crise de 2020 até o momento não figuram no horizonte de possibilidades.

Prefeita espera colher frutos de conversas políticas e discurso republicano

Sabedora das dificuldades que terá pela frente, a prefeita eleita tem se movimentado bastante nos bastidores em busca de apoios de atores políticos da cidade, da região e do estado, independentemente de matrizes políticas. Para isto, Margarida já se reuniu, por exemplo, com deputados que têm domicílio eleitoral em Juiz de Fora e também com o presidente da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), o deputado estadual Agostinho Patrus (PV), e com o governador Romeu Zema (Novo).
Do ponto de vista doméstico, Margarida também já promoveu um encontro entre o seu secretariado e os vereadores que integrarão a Legislatura 2021/2024. Na reunião, a prefeita eleita sinalizou a intenção de abrir as portas das secretarias para as sugestões dos parlamentares. Com larga experiência legislativa, o objetivo da petista é de manter diálogo aberto com a Câmara.

Ao menos inicialmente, a sinalização é de que a prefeita reeditar o tom republicano na relação com o Legislativo, assim como fez, ela mesma, durante o desempenho de suas funções como deputada federal. Nos últimos anos, Margarida se colocou à disposição e indicou vários recursos federais para a cidade, a despeito de a Prefeitura ser chefiada por adversários nas urnas ou por grupos políticos cujas divergências partidárias são conhecidas. Outro exemplo disto foi o agradecimento público que Margarida fez ao ex-deputado federal Marcus Pestana (PSDB) pela intermediação feita pelo tucano nas conversas mantidas entre a futura prefeita e o Instituto Butantan.

Inicialmente, ao que parece, a aposta é de que o discurso republicano ajude Margarida a construir maioria na Câmara em discussões do interesse da cidade, o que pode resultar, até mesmo, em uma base de apoio do futuro governo mais fortalecida em uma casa legislativa que, historicamente, tem maioria conservadora. Pode pesar a favor disto, o favoritismo do vereador reeleito Juraci Scheffer (PT) na eleição para a Presidência da Câmara e o fato de o PT ter elegido a maior bancada no Poder Legislativo, além das recentes conversas mantidas com atores políticos da cidade.

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