Indefinição ainda marca disputa presidencial
Cientistas políticos consideram disputa em aberto e colocam cinco candidatos no páreo por vagas no segundo turno
Ouça a reportagem na íntegra abaixo:
Há quatro anos, a disputa presidencial entrava nas últimas duas semanas de campanha com um cenário que apontava para um segundo turno entre a ex-presidente Dilma Roussef (PT) e Marina Silva (Rede, à época no PSB). A petista buscava a reeleição e tinha entre 37% e 36% das intenções de votos, segundo os levantamentos de Datafolha e Ibope. Marina tinha 30%. Mais distante, o senador Aécio Neves (PSDB) ainda procurava um atalho para chegar ao Palácio do Planalto e tinha entre 17% e 19% do eleitorado. Quatorze dias depois, as urnas revelaram uma arrancada do tucano, que obteve 33,5% da votação válida. Ele avançou na disputa e foi derrotado por Dilma por uma diferença próxima dos três milhões de votos, cerca de 3% dos votos nominais.
“Em determinado momento, parecia que o Aécio ia abrir a boca do jacaré e vencer a eleição. Aliás, aconteceu um fenômeno interessante. Ele chegou a virar na penúltima semana, antes do segundo turno, mas o PT voltou à frente quando o Lula se envolveu mais com a campanha”, lembra o cientista político e professor da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Eduardo Condé. A história recente do país é apenas um dos fatores para especialistas ouvidos pela Tribuna lembrarem que eleição não se define de véspera, e os próximos dias serão decisivos para a tomada de posição do eleitorado
Apesar de os últimos levantamentos dos principais institutos de pesquisa do país apontarem para um cenário em que Jair Bolsonaro (PSL) aparece consolidado na primeira posição, com intenção de voto na casa de 28%, de acordo com as últimas amostragens estimuladas de Ibope e Datafolha; e de Fernando Haddad (PT) seguir ganhando corpo desde sua oficialização como candidato após o indeferimento da candidatura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT); Ciro Gomes (PDT), Geraldo Alckmin (PSDB) e Marina Silva (Rede) ainda se esforçam para permanecer na disputa, mantendo assim o cenário de imprevisibilidade. “Tem uma tendência de Bolsonaro ir para o segundo turno, tem. Tem uma tendência do Haddad ir, tem. Ciro está fora do jogo? Imagino que não. A Marina também. Aqueles da parte de baixo, vinagre. A incógnita é o Alckmin. Não podemos garantir que não haverá um movimento de eleitorado que leve o Alckmin para um patamar capaz de embolar um pouco a disputa”, considera Condé, lembrando ainda outros nomes que estão na disputa, mas com baixo desempenho nas pesquisas de intenção de votos como Álvaro Dias (Podemos), João Amoêdo (Novo), Henrique Meirelles (MDB), Cabo Daciolo (Patriota), Vera Lúcia (PSTU), Guilherme Boulos (PSOL), João Goulart Filho (PPL) e Eymael (DC).
Em aberto
Cientista político e professor da Universidade Federal do Paraná, Emerson Urizzi Cervi tem visão diferente e considera que, apesar do bom desempenho nas pesquisas e a curva de crescimento nas projeções de voto, ainda não é possível sequer cravar a presença de Jair Bolsonaro no segundo turno. “Se olharmos só para os números frios, estes cinco candidatos (Bolsonaro, Haddad, Ciro, Alckmin e Marina) têm condições de avançar para o segundo turno. Faria um porém para o caso da Marina, em que o número frio não revela a tendência de queda acentuada apresentada nas últimas semanas. Ao contrário do que aconteceu com Aécio em 2014, o Alckmin não cresce, mas oscila sem apresentar uma tendência de queda. Apesar disto, não considero que Bolsonaro já esteja no segundo turno, pois ele tem um voto que não é dele, mas de um eleitorado descontente. Não há um ‘bolsonarismo’ o sustentando. Há uma rejeição ao sistema como um todo, construída ao longo do tempo, que pode levá-lo para o segundo turno, mas isto ainda pode se desidratar”, avalia.
Para Emerson, a situação de maior imprevisibilidade no cenário eleitoral, às vésperas da eleição, se justifica pelo fato de o país, a partir de 2014, ter entrado em uma espécie de fim do ciclo político eleitoral que se estendeu por duas décadas. “Trata-se de algo que já havia dado sinais em 2014, mas ficou retardado para 2018, que é um fenômeno que aconteceria em algum momento: o fim do ciclo político bipartidário das eleições nacionais brasileiras, que começou em 1994, em que apenas dois partidos tinham mais de dois terços dos votos. O que acontece agora é que não temos mais esta bipartidarização, mas uma distribuição maior das intenções de voto. Esta distribuição também se dá por outros motivos. Hoje, temos um eleitor que é um eleitor raivoso com o sistema e que tende a não mirar os partidos tradicionais, o que favorece tal distribuição de votos.”
Próximas semanas devem registrar movimentação de votos
Especialista em Big Data e consultor-chefe da BTB, o cientista político Renato Dolci também considera que o jogo eleitoral permanece em aberto. “A campanha ainda não está fechada, mas os cenários começam a apontar que, independentemente do candidato, teremos um quadro eleitoral radicalizado em torno de um eixo PT-antipetismo. O que antes se configurava como PT versus PSDB parece ter mudado, por conta do perfil de Jair Bolsonaro, que somatiza duas características que parecem ser relevantes para parte do eleitorado: não ter medo de falar o que pensa e não ser réu em processos ligados à corrupção. É muito cedo e prematuro para afirmar que esta é uma tendência eleitoral, pois se trata apenas de uma eleição e que ainda nem foi finalizada. E na política, o fator ‘imprevisibilidade’ é sempre uma carta a ser jogada, principalmente com tantos atores envolvidos neste processo”, considera o especialista. Dolci, porém, afirma que “PT e PSL apresentam as chances mais claras de se projetarem para o segundo turno”.
Com a proximidade do dia 7 de outubro, Dolci considera que ainda há espaço para movimentação do eleitorado, o que deve se acentuar e ficar mais evidente com a proximidade do pleito. “O eleitor parece se movimentar para não eleger aquilo que odeia ao invés de eleger o que de fato acredita. Dependendo de como os cenários se mostrarem – e Bolsonaro e Haddad lideram não apenas a intenção de votos mas também a rejeição dos eleitores -, os eleitores podem considerar novos votos úteis para repelir aquele que odeiam e assim, mudar novamente os candidatos que vão disputar o segundo turno”, destaca, não descartando que as pesquisas podem ter peso na decisão final dos eleitores. Para Eduardo Condé, o cenário eleitoral deve ficar mais claro a partir dos levantamentos a serem publicados no início da última semana que antecede as eleições. Aí, já teremos um quadro em que o Haddad já terá feito todo o processo de transferência de votos que ele herda do ex-presidente Lula.
Polarização é fator de preocupação e desafio para futuro governo
O possível avanço de duas candidaturas com grande índice de rejeição preocupa os especialistas ouvidos pela reportagem, em um cenário em que pode existir embate entre Bolsonaro, que tem rejeição superior a 40%, e Haddad, alvo do antipetismo que cresceu no país a partir de 2014. “O ‘day after’ não depende apenas do nome, mas de tudo que está ao redor dele”, afirma o professor e cientista político Emerson Urizzi Cervi. Para ele, o perfil do eleito pode ser um elemento facilitador ou complicador para tocar o país após um pleito que pode se decidir em um cenário de grande polarização.
“Isto pode ter um impacto grande, principalmente se considerarmos a possibilidade de o eleito ser um político sem habilidade, sem experiência, que não negocia e que não tenha uma estrutura de coligação partidária ao seu lado. Há uma série de elementos institucionais que ajudam o presidente a superar este momento.” Cervi, porém, reforça que as eleições atuais têm as características de fim de ciclo. “É um momento normal. Não estamos vivendo nada de extraordinário. Fim de ciclo político é assim mesmo. Mas fim de ciclo político substituído por alguém que não tenha expertise, de um partido pequeno e sem coligação, pode dificultar muito o início de Governo e nas relações com a população.”
Pesquisas são recorte do momento
Os três especialistas, no entanto, reforçam que as pesquisas devem ser encaradas como fonte de informação, recorte de momento e elemento de identificação de tendências. “Não tenho nenhuma desconfiança de instituto de pesquisa. As pessoas têm uma fantasia de que tudo é manipulado. Não é. São profissionais de mercado que precisam ter credibilidade. Os resultados são auditáveis”, afirma Condé.
Por outro lado, Renato Dolci alerta para os cuidados necessários por aferições feitas sem metodologias e à margem das regras eleitorais, como enquetes. “Enquetes digitais são complicadas porque permitem manipulação simples de registros, como presença de robôs que votam diversas vezes em uma opção e, principalmente, porque vota quem toma contato, o que não configura uma amostra balanceada do país. Estados com maior penetração digital ou candidatos que tenham eleitorado com melhor nível de renda tendem a performar muito melhor neste tipo de sondagem. Outro ponto que vale comentar é que é crime eleitoral realizar pesquisas de intenção de votos na internet, uma vez que não são protocoladas para tal finalidade, seja em páginas ou perfis pessoais”, pontua.