Juiz-foranos voltam às ruas
Os livros escolares estão repletos de passagens em que multidões foram às ruas defender seus ideais. É impossível ignorar eventos importantes para a construção da democracia no país como a “Passeata dos 100 mil”, em 1968, que bradava pela saída dos militares do poder; o “Comício das Diretas Já”, em 1984, que defendeu eleições diretas para presidente; e os “caras pintadas”, que, em 1992, saíram em passeata pedindo o impeachment do então presidente Fernando Collor. Três décadas após a redemocratização do país, os brasileiros parecem ter redescoberto o espaço público como arena de debates políticos. Só na última semana, foram realizadas duas grandes manifestações, em que populares e movimentos organizados externaram suas vozes em defesa ou contra à manutenção do mandato de presidente Dilma Rousseff (PT), eleita pela via democrática.
Para o cientista político da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), Gonzalo Adrián Rojas, a retomada das ruas como espaço de debate político tem data inicial bem definida. “As gigantescas mobilizações de 2013 e suas pautas progressivas, que pediam por transporte, educação e saúde, mudaram as condições de fazer política no Brasil”, considera. Autor do livro “A metafísica dos movimentos de rua”, que traz uma coletânea de artigos sobre os protestos de junho de 2013, Michel Zaidan identifica diversas razões para as pessoas ocuparem as ruas, independente de seus posicionamentos políticos. “A população tem várias motivações para estar nas ruas e cobrar o Governo, seja pelo descontentamento com a situação da economia ou pelo sofrimento que atinge os trabalhadores por conta do atual ajuste fiscal.”
Apesar de identificar motivações para manifestações, Zaidan, que é professor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), considera que falta uma bandeira mais específica aos protestos anti-Dilma. Para ele, grupos políticos que apoiam os atos aberta ou veladamente têm objetivos diversos, o que acaba se tornando um ruído na mensagem final. “Há muitas pessoas com interesses distintos. Seja para salvar a própria pele com relação a supostos envolvimentos com corrupção ou lutar pela saída da presidente por objetivos pessoais. Existem políticos interessados em turvar a água para poder pescar”, afirmou, citando a falta de unidade inclusive dentro do principal partido de oposição, o PSDB. Os tucanos estariam divididos entre os que torcem pela queda da chapa presidencial e por novas eleições e aqueles que preferem a sangria e o enfraquecimento do Governo até 2018.
Todavia, não é apenas os protestos anti-Dilma que apresentam pautas diversas. Na última quinta-feira, a manifestação em defesa da manutenção da democracia e do mandato da presidente levou às ruas do país um amplo leque de bandeiras. De certa forma, lideranças de partidos de esquerda têm anseios diferentes. Enquanto alguns grupos historicamente ligados ao PT, como CUT e UNE, adotaram um tom mais amistoso em relação ao Governo, direcionando suas vozes contrárias à bandeira direitista de impeachment; outros, arregimentados por legendas como o PSOL, não pouparam críticas aos efeitos do ajuste fiscal e à chamada “Agenda Brasil”, pacto firmado entre o Planalto e o presidente da Câmara, Renan Calheiros (PMDB), que tem propostas interpretadas como prejudiciais à classe trabalhadora.
Dificuldades
Além da falta de unidade nas manifestações anti-Dilma, que ainda defende a volta dos militares, Gonzalo Rojas acredita que os movimentos que foram às ruas no último domingo não apresentam bandeiras propositivas, limitando-se às críticas ao Governo. “Não têm claramente um programa alternativo ao ajuste e estão muito longe de representar a insatisfação dos trabalhadores”, afirma Gonzalo.
Por outro lado, o cientista político considera que os protestos em defesa da manutenção de Dilma também têm dificuldades de atingir boa parte da população. “Aqueles que se colocam em favor da ‘democracia’, na verdade, realizam mobilizações em defesa incondicional do Governo”. Gonzalo entende que a necessidade destes grupos de estabelecer diálogo com suas bases, que estão acuadas pelo rearranjo econômico, tem sido ignorada.
Para ele, a guerra do bem contra o mal observada nos últimos atos pode abrir espaço para uma terceira via. “O desafio é construir um terceiro campo de independência frente aos dois blocos em que a política das classes dominantes e suas representações está dividida no Brasil. Isso tem que vir dos trabalhadores em greve, das mulheres e da juventude, que têm que elevar suas lutas ao plano político”, afirma.
Sem capacidade de mobilização
Em resposta às manifestações anti-Dilma arregimentadas por grupos de direita – que, no último domingo, segundo organizadores, levaram dois milhões de pessoas às ruas no país -, partidos e movimentos sociais alinhados com o Governo têm se esforçado para organizar protestos favoráveis à manutenção do mandato da presidente. No maior deles, na última quinta-feira, a estimativa é de que até 190 mil manifestantes (dados dos organizadores) participaram de atos no Brasil. Apesar disso, o cientista político Michel Zaidan entende que o PT perdeu a capacidade de mobilizar multidões, papel que o alçou a uma das principais forças partidárias do país nos últimos 35 anos.
“Já faz muito tempo que o PT parece ter perdido a capacidade de conduzir as massas. De certa forma, houve uma cooptação de quadros com maior capacidade de diálogo aos movimentos populares. Estes quadros acabaram no Governo, e os movimentos ficaram acéfalos, sem articuladores para manter a mobilização nas ruas”, considera o professor da UFPE. Contudo, apesar da dificuldade de diálogo com a população, Zaidan não considera as ruas o principal obstáculo da presidente Dilma para chegar ao fim de seu mandato. “O Congresso e a economia são inimigos maiores que as ruas. São fatores capazes de levar o país à ingovernabilidade”.
Diante de tal cenário, o professor considera difícil ponderar sobre o futuro do atual Governo e da presidente pelos próximos três anos e meio. “A pergunta que faço é: será que vale a pena ir até o fim se apoiando em acordos fisiológicos e sem uma agenda própria? Aliás, qual a atual agenda? Não pode ser apenas a realização de ajuste fiscal. Os trabalhadores têm suas demandas. Só vale a pena seguir o mandato até o fim se for para resgatar as propostas históricas do partido. Se for apenas para administrar a crise, o mandato perde o sentido. Se é para correr risco de queda, que não seja fazendo a política do inimigo, que é o que vem acontecendo. Tem que saber cair de pé.”