Para além da facada: Calçadão é ponto de encontro da política em Juiz de Fora
Historiador, cientista político e jornalistas relembram manifestações de maior destaque

Tancredo Neves, Itamar Franco, Ulisses Guimarães, Franco Montoro, Leonel Brizola, Jair Bolsonaro e Lula são alguns dos nomes de maior destaque na política que já passaram pelo Calçadão da Rua Halfeld, além do movimento Diretas Já.
O historiador e Coordenador do Museu do Crédito Real, Roberto Dilly, complementa que, pela Rua Halfeld – antes de se tornar Calçadão – passaram figuras como Alberto Santos Dumont e Ruy Barbosa, e vários Presidentes da República, como Washington Luiz, Arthur Bernardes, Getúlio Vargas e Juscelino Kubitschek.
“Todos os candidatos a Presidente da República passaram pela Rua Halfeld, antes e depois de eleitos. E após 1975, quando o calçadão foi inaugurado, rigorosamente todos os candidatos presidenciais desfilaram pela rua durante suas campanhas”, afirma.

A inauguração, em 1975 também foi um ato eminentemente político. Itamar Franco tinha sido eleito senador no ano anterior, mas tinha forte influência na Prefeitura, já sob o comando de seu vice, Saulo Pinto Moreira. Foi um dia memorável, com o povo ocupando as ruas para ver a nova rota do poder.
Para o cientista político Paulo Roberto Leal, “é impossível contar a história política da cidade sem falar daquele logradouro”. “Todas as cidades dispõem de espaços urbanos que, tanto em função de sua centralidade geográfica quanto em função do acúmulo de memórias da comunidade a eles associadas, acabam por se consolidar no imaginário coletivo”, explica a motivação.
Segundo Dilly, “historicamente, a Rua Halfeld, antiga Rua da Califórnia, foi desde o seu início o espaço público mais democrático e mais acolhedor”. “Naturalmente que, após a via se transformar numa ‘rua para pessoas’, esse cenário ficou imensamente mais apropriado para as manifestações, sobretudo para as divulgações de campanhas”.
Ponto turístico
Uma das principais campanhas foi a de Jair Bolsonaro, quando era candidato à Presidência, em 2018. O jornalista Gabriel Ferreira Borges, hoje repórter de Política do jornal O Tempo, era estagiário da Tribuna no dia da facada, com apenas seis meses de casa: “Antes do evento, eu estava muito extasiado, muito animado, porque era a cobertura de um candidato à presidência.”
“Até hoje eu conto para o pessoal que eu, que estava na rua, fui um dos últimos a saber o que de fato tinha acontecido”, relembra. Ele só sabia que algo sério tinha acontecido, porque a dispersão foi muito rápida: “Eu estava um pouco mais para trás de onde o Bolsonaro estava, e aí quando aconteceu a facada, todo mundo começou a se afastar e eu fui pressionado para trás. Consegui dar a volta e escorrer pela Batista de Oliveira, sentido Independência.”
“Ninguém sabia exatamente o que tinha acontecido ali, eu lembro das pessoas falando que ele foi agredido, outros se perguntando se foi um tiro”, essa era a angústia maior, pensando no próprio trabalho de reportar. “Na hora que consegui escorregar pela Batista, abri o Twitter e vi algum jornalista falando que ele tinha sido esfaqueado.”
“Pessoalmente, eu fiquei preso naquela cobertura por muito tempo. Qualquer coisa que eu lia ou assistia durante o governo Bolsonaro, me lembrava daquela cobertura, porque é como se tudo tivesse começado ali”, e acredita que, por isso, tem detalhes até hoje muito nítidos.
Embora evite cogitar se participou de um dos principais acontecimentos da política nacional, Paulo Roberto é taxativo: “Não há dúvidas de que a facada em Bolsonaro foi um episódio decisivo naquela campanha presidencial de 2018.”
“Em função daquilo, nenhum outro candidato teve qualquer possibilidade de receber tanta atenção da opinião pública (minutos de cobertura televisiva, por exemplo), o que facilitou a entrada de Bolsonaro em certos públicos-alvo junto aos quais sua campanha enfrentava até então alguma dificuldade. As pesquisas eleitorais pós-facada mostraram isso claramente”, completa.
O tricordiano Gabriel vivia em Juiz de Fora há quatro anos, quando fez a cobertura de que não vai conseguir se esquecer. Como imigrante, enxerga o Calçadão mais como um lugar cultural, até um pouco melancólico e boêmio, graças ao Cine-Theatro e aos bares próximos. Mas acredita que o atentado ressignificou o Calçadão, com uma fama curiosa: “Até hoje, você entra numa rede social e as pessoas brincam que o cruzamento da Halfeld com a Batista é um ponto turístico de Juiz de Fora. É um lugar que as pessoas querem conhecer porque foi onde um candidato à presidência sofreu um atentado.”
O inusitado se destaca

Leonardo Costa, antes de ser jornalista da Tribuna e cobrir diversas manifestações políticas desde 2008, ia ao Calçadão desde criança, para ver nomes nacionais. Sua primeira lembrança é de Brizola, em 1989, aos 12 anos, com o pai. O diretório do PDT, partido do candidato, era bem próximo de onde aconteceu a facada.
Também se lembra do Calçadão lotado e repleto de bandeiras, no caminho até a Praça da Estação, onde Lula fez um comício no mesmo ano. “Mas sempre teve a cultura do Calçadão ser o palco das decisões da política local, também, no último sábado, antes da eleição. O famoso ‘descer o Calçadão’ com as bandeiras, cada um do seu partido, do seu candidato, os confrontos políticos, debates nesses últimos dias que ficam mais calorosos”.
Para Roberto Dilly, “descer o Calçadão tem o significado do triunfo, do alcance do objetivo”: “Esse estar na Rua Halfeld parece dar ao candidato a sensação de que sua imagem foi divulgada e seu nome ficou mais conhecido”.
Além de considerar como um termômetro, Leonardo cita uma importância informativa do Calçadão, sendo possível obter informações extraoficiais e pesquisas internas de partidos, por exemplo. O juiz-forano também ressalta a localização: além de ser o caminho entre pontos de ônibus movimentados, nas avenidas Rio Branco e Getúlio Vargas.
Dilly classifica o local como “coração pulsante da cidade”, e marcar presença nele representa, para o candidato, ter se apresentado à sociedade da forma mais íntima e pessoal. “O calçadão é de todos, a rua funciona como se fosse a sala de estar urbana, portanto, divulgar suas ideias nesse cenário, faz com que a população tome conhecimento oficialmente de suas propostas”, conclui.
Enquanto jornalista, Leonardo lista três momentos que capturou, e mostram que é necessário algo inusitado para que um político se destaque no meio de tantas passagens: Romário batendo bola com Júlio Delgado, Marina Silva comendo pipoca, e Jair Bolsonaro comendo bolo, em comemoração aos seis anos do atentado.
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