Margarida elenca prioridades para primeiros 100 dias de governo
Prefeita fala de planos emergenciais para combate à fome, vacinação e recuperação de espaços urbanos; formação de secretariado e nova estrutura administrativa também são detalhadas
Na sexta-feira, 1.º de janeiro de 2021, foi dado o pontapé inicial para uma passada que vai definir o futuro de Juiz de Fora pelos próximos quatro anos. Jogo duro e de muitos desafios, como uma pandemia que se alonga por meses e já resultou na morte de mais cinco centenas de pessoas na cidade. Eleita após quatro tentativas consecutivas, a prefeita Margarida Salomão (PT) foi empossada há dois dias, e terá pela frente uma ‘Copa do Mundo’ pessoal. A bola rola para valer a partir desta segunda (4), quando o planejamento tático será colocado em jogo, e ações inaugurais e emergenciais como o desenvolvimento de um plano municipal de vacinação e de combate à fome e um choque de zeladoria serão executados, com a sinalização de que os primeiros sinais dos projetos já possam ser vistos nos primeiros cem dias de governo.
As metáforas com o futebol são propositais e serão recorrentes durante este texto, que marca a primeira entrevista exclusiva com a prefeita publicada após sua posse. Margarida gosta de tais metáforas, e foi assim que comentou a escola de seu secretariado. “Sempre disse que iria montar uma seleção de feras. De fato, consegui reunir um grupo de pessoas extremamente qualificadas. Tanto do ponto de vista da sua formação acadêmica, mas também de suas experiências de vida. São pessoas que têm muito tempo de jogo, independentemente de alguns serem mais jovens.”
Com seu time de secretários escalado e já empossado no sábado, dia 2, o jogo começa nesta segunda. “Já tenho pelo menos duas agendas definidas. Uma delas é um contato com setores da sociedade que foram afetados pelo decreto do prefeito Antônio Almas. Estou acompanhando de uma forma muito minuciosa essa situação, que é complexa. Envolve restrições do ponto de vista sanitário, mas também desencadeia efeitos econômicos numa situação social que já é muito crítica”, diz a prefeita, sobre as normas relacionadas à pandemia de Covid-19 publicadas por seu antecessor.
Até aqui, todavia, Margarida esconde o jogo. Parece querer ensaiar mais com todos os jogadores envolvidos. Assim, o público só terá conhecimento de decisões importantes, como a manutenção ou não do Comitê Municipal de Enfrentamento e Prevenção à Covid-19 ou a continuidade ou suspensão das regras mais restritivas que impedem o funcionamento de diversos setores econômicos, nesta segunda.
“Chegamos ao fim deste ano sem política econômica em termos nacionais e com um nível de desemprego altíssimo, inclusive em Juiz de Fora. Um dos setores mais sacrificados é o setor de serviços, e isso reflete na cidade. Não posso deixar de citar que este mês é o último em que as pessoas receberão o auxílio emergencial. Em Juiz de Fora, este número de pessoas também é significativo. Pelos dados que estamos tomando conhecimento, 36% dessas pessoas têm hoje o auxílio como sua única renda. É uma situação muito complicada. Vou ouvir as pessoas e representantes dos setores mais afetados e nesta segunda-feira vou apresentar meu posicionamento”, afirma Margarida.
Ações emergenciais devem marcar primeiros cem dias de governo
Margarida ainda comentou sobre as ações emergenciais anunciadas na última quarta-feira e que já terão os trabalhos para suas execuções iniciados nesta segunda. “Há condições dentro da programação financeira do Município para fazermos capinas, troca de lâmpadas. Já há uma licitação liberada agora em dezembro que assegura isso. Vamos usar equipes que, inclusive, já existem. Isto não implica em dispêndios, mas em esforços. Esforços importantes para que, na vida urbana, tenhamos uma reabilitação do espaço social que está muito degradado”, explicou, se referindo ao “choque de zeladoria”, que pretende iniciar de imediato.
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“Essas são ações de emergência, que serão feitas de forma concentrada, em razão da necessidade. Não são as ações do governo. Quem tem fome tem pressa. Se temos 18 mil famílias nessa situação, e se pensarmos que temos três pessoas por família, temos mais de 50 mil pessoas numa situação de vulnerabilidade alimentar. Isso é inadmissível. Não podemos fechar os olhos para isso”, pontuou, referindo-se a projeto que pretende combater a fome e ajudar pessoas em situação de vulnerabilidade social.
Plano municipal de vacinação é visto como medida contingencial
A prefeita falou, por exemplo, um pouco mais sobre o plano municipal de vacinação que será desenvolvido em paralelo, funcionando como contingência caso ocorram atrasos ou outras dificuldades na execução da estratégia nacional de imunização, que ainda se mostra claudicante. A prefeita sinalizou que os trabalhos municipais, caso sejam necessários, deverão apontar origem de receitas para fazer valer acordo de intenção para a compra de um milhão de doses da Coronavac, em desenvolvimento pelo Instituto Butatan.
“Dentro deste projeto que estamos desenvolvendo, temos inclusive fontes de financiamento. Quando apresentarmos o plano completo, isso será colocado. O ideal é que o Governo federal se mova. Mas ele está se movendo de uma forma muito relutante e com muitos percalços”, afirma a prefeita eleita, que teme que a politização, que chama de “desnecessária e indesejável”, possa seguir atrapalhando uma coordenação nacional de imunização.
“É um plano de contingência. Somos todos testemunhas do grau de inquietação que vive a cidade por conta dos repiques do contágio e suas consequências na vida social e econômica. A reação positiva à Covid-19 é a vacinação. Tanto que o mundo inteiro busca isso com ansiedade. Então, vamos fazer. O ideal é que o plano nacional deslanche, mas se isso não acontecer, nós vamos adquirir as vacinas e aplicá-las”.
Sobre a logística e os obstáculos para desenvolver um plano municipal de vacinação, a prefeita admite que equacioná-los é um grande desafio. “É uma logística complicada. Este ano já tivemos uma vacinação contra a gripe. Em geral, menos de duas mil pessoas são vacinadas por dia. Para se ter um impacto, temos que ampliar isso. Então, além de contar com nossas equipes, teremos que montar um sistema para essa execução. Tudo estará detalhado no plano municipal de vacinação.”
Prefeita disputa ‘Copa do Mundo particular’
Em momento algum da entrevista, Margarida Salomão classificou o desafio de chefiar a Prefeitura de Juiz de Fora, após quatro tentativas seguidas, como sua “Copa do Mundo particular”. Mas, por vários momentos, deu a entender que a experiência tem a mesma dimensão que tem o torneio do esporte em qualquer cenário em que a metáfora do futebol seja utilizada como recurso para ilustrar situações diversas. “Quero ser prefeita de Juiz de Fora há muitos anos.”
O tempo de preparação de Margarida para entrar em campo foi longo, para além de suas candidaturas nas eleições de 2008, 2012 e 2016, em que sempre bateu na trave. Nos pleitos, ela foi derrotada no segundo turno: primeiro, para Custódio Mattos (à época no PSDB e, hoje, no Cidadania), e, nas duas últimas, para Bruno Siqueira (MDB). “A ficha que cai é de 32 anos atrás, quando eu fui pré-candidata à Prefeitura na sucessão do ex-prefeito Tarcísio Delgado. Acabou que no arranjo político da ocasião, acabei sendo candidata a vice-prefeito na chapa de Murilio Hingel (nas eleições municipais de 1988, vencidas por Carlos Alberto Bejani).
“Tive o privilégio de sempre ter feito o que eu gosto de fazer. Sempre gostei de estudar. Sempre gostei da vida acadêmica. Sempre gostei da política. Gosto tanto que gosto da versão legislativa e da executiva. Então é claro que sei que vou dormir menos, vou correr mais e vou ser cobrada todo dia. Já estou sendo, antes de sentar lá. Só sabemos que estamos preparados quando entramos em campo. Mas quero ser prefeita de Juiz de Fora. Sempre quis nos últimos anos. É uma responsabilidade imensa, pois sou a primeira mulher. Tem que dar certo, por todas as outras mulheres”, projeta, à beira do gramado e sob o olhar atento de uma arquibancada de centenas de milhares de juiz-foranos.
Petista defende perfil técnico de sua equipe: ‘craques’
Além de chamar seu secretariado de “seleção”, Margarida Salomão defendeu que a equipe tem perfil técnico. “Todo o nosso grupo tem duas características importantes. Um é a competência. Eu não faria experiência com pessoas que não estivessem à altura de fazer uma tarefa tão importante como esta que queremos realizar. Este é claramente um governo de mudança. A outra coisa, é claro, a convergência com nossa pauta política. O que não quer dizer que sejam quadros partidários. Muitos deles não têm sequer filiação partidária. Mas são pessoas que têm convergência com nossa pauta e com a agenda que a gente apresentou à cidade na nossa campanha. Esses dois elementos são fundamentais.”
Assim, a prefeita diz que o time está afiado para começar os trabalhos já nesta segunda-feira. “Para ter um time bom, não adianta só ter craque. Também tem que ter padrão de jogo. Por isso, estamos nos esforçando muito para criar, neste tempo de transição tão curto, meios de trabalho e entrosamento. Já fizemos reuniões de imersão, com grupos menores e com toda a equipe. Isso é importante para que todos possam jogar juntos.”
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Em meio a uma reestruturação administrativa, em que o número de pastas da Administração direta será elevado das atuais 16 para 19, ao menos na leitura inicial, Margarida evita rotular um dos seus secretários como “camisa 10”. Assim, desconversa sobre as especulações que apontam Júlio Teixeira, que será titular da Secretaria de Desenvolvimento Urbano, ainda a ser criada, como “supersecretário”. O rótulo seria justificado pelo fato de a pasta comandada por Júlio acumular discussões diversas que hoje se espalham por setores variados, como a Secretaria de Transporte e Trânsito (Settra), o Demlurb, a Empav, a Cesama e a Emcasa, por exemplo.
“O craque ou os craques e as craques vão se mostrar com a bola rolando. Assim vamos ver quem terá mais protagonismo e quem vai fazer mais gols. A Saúde é uma supersecretaria. A Educação é uma supersecretaria, e está com o imenso desafio de repor 2020. Não podemos fechar os olhos para o fato que a educação de jovens e crianças sofreu uma forte perda, mesmo com todo o esforço feito. Vamos ter que nos desdobrar”, explicou.
Margarida disse ainda que espera que a nova Secretaria de Desenvolvimento Urbano faça um papel de meio-campo, ligando setores diversos. “Além de ser diretor-presidente da Cesama, o Júlio assumiu também a tarefa de coordenar o que estamos chamando de gabinete de infraestrutura urbana. Junta exatamente áreas como a limpeza pública, a gestão de resíduos, a pavimentação, o saneamento, a questão da moradia… A infraestrutura urbana vai estar toda coordenada.”
‘Reorganização não implica em inchaço da máquina’
A despeito de sinalizar um aumento no número de secretarias da Administração direta, a prefeita rechaça que as mudanças implicarão em um inchaço da máquina administrativa da Prefeitura de Juiz de Fora.
“Não tem inchaço, pois teremos um enxugamento de funções que tornaram-se desnecessárias por conta dessa reorganização, que está tematizando algumas áreas. Já tínhamos estruturas, inchadas, redundantes e ineficientes.”
Segundo a prefeita, há uma mudança na forma de organizar a Administração municipal. “Estamos criando um sistema em rede. Há uma grande limitação organizativa da Prefeitura. A Prefeitura hoje é organizada em repartições que, internamente, são organizadas como árvores. Isso é ruim, pois gera estruturas redundantes, que deveriam ser multissetoriais e estar ligadas a mais de uma secretaria.”
Reforma administrativa
Margarida Salomão afirma que as mudanças colocadas não se tratam de uma reforma administrativa, mas de um ajuste de rumos na atual estrutura. “Estou insistindo que não estamos fazendo reforma administrativa no momento, mas ajustes para colocar em prática o plano de governo. Reforma administrativa espero fazer adiante, após ter informatizado toda a Prefeitura, pois isso vai impedir o retrabalho. Do jeito que é organizada, tem-se um desperdício de recursos muito grande. A Prefeitura está organizada para o Século XX. Queremos reorganizá-la para o Século XXI.”
Assim, a prefeita justificou, por exemplo, a citação da Secretaria de Turismo, a ser chefiada por Marcelo do Carmo. “O turismo é uma área de protagonismo, que tem a gastronomia, a cervejaria, o turismo cultural… A cidade tem um potencial enorme, isso sem falar do turismo de eventos que é nosso cavalo-de-batalha.”
Busca por novas alternativas para desenvolvimento econômico
Ao falar sobre os caminhos para o turismo na cidade, Margarida Salomão disse que vai buscar caminhos diretos para que a cidade reencontre o caminho do desenvolvimento econômico. “Estou muito preocupada em, de fato, desenvolver uma retomada econômica da cidade. Não vamos ter uma superação de nossos problemas sociais sem isso. Essa retomada, a meu ver, vai se dar de uma forma não convencional.”
Para ela, o caminho passa por novas tecnologias, a despeito de esforços de gestões passadas na busca por grandes investimentos. “Não temos mais essas grandes empresas. Temos, por exemplo, essa fábrica da bateria de lítio-enxofre, que vai se instalar no pátio da Mercedes, gerando 500 empregos qualificados”, afirmou, em alusão à empresa britânica Oxis Energy.
Assim, considerou que as áreas de cultura, de turismo e de ciência e tecnologia se apresentam como caminho e são as verdadeiras vocações da cidade, citando, como exemplo, a cidade de Campinas, no interior paulista. “Campinas deu um jeito em si com a Unicamp. Em Juiz de Fora, temos a UFJF, que está no patamar das melhores do Brasil; temos o IF Sudeste; temos a Embrapa Gado de Leite. Está dado o caminho. É uma questão de a gente realizar.”
Concursos para a recomposição de efetivos na educação e em outras áreas
A prefeita falou ainda sobre a intenção de realizar um concurso para a recomposição do quadro de servidores efetivos na rede municipal de educação, em especial, para a contratação de professores de carreira para os quadros do magistério. De acordo com Margarida, a intenção é fazer o processo seletivo o mais breve possível. A despeito da pressa, um processo licitatório aberto em dezembro, pela gestão passada, para a contratação de uma empresa responsável pela realização do certame, deve ser readequado.
“Vamos rever. Tenho informações de que a bibliografia é insatisfatória. Vamos chegar e rever. Quero fazer o concurso o mais rápido possível”, disse Margarida. A prefeita pontuou ainda que pretende fazer concursos públicos para outros cargos do funcionalismo municipal.
“Vamos ter que fazer outros concursos. Há um grande número de trabalhadores comissionados desempenhando funções que são estruturais na máquina. 80% da comissão de licitação é comissionada. Temos o caos assustador da educação em que 57% são temporários, mas também temos trabalhadores em outras funções estratégicas. Vamos fazer um levantamento criterioso disso”, considerou.