Mineiros já recadastraram 76 mil armas junto à Polícia Federal
Recadastramento estabelecido por Governo federal segue até esta quarta-feira; medida visa a controlar arsenal do país
A poucos dias de se encerrar o prazo, Minas Gerais já contabilizou mais de 76 mil armas recadastradas no Sistema Nacional de Armas (Sinarm) da Polícia Federal. Em todo o Brasil, cerca de 897 mil equipamentos foram registrados até o último domingo (23). O recadastramento, cujo prazo segue aberto até esta quarta-feira (3), faz parte de uma série de medidas tomadas pelo Governo federal para controle do arsenal no país, que registrou um aumento exponencial de pessoas armadas nos últimos anos.
O recadastramento visa integrar ao Sinarm as armas registradas no Sistema de Gerenciamento Militar de Armas (Sigma). Enquanto o primeiro é gerenciado pela Polícia Federal e diz respeito às armas em poder da população, o segundo é mantido pelo Exército Brasileiro e engloba as armas registradas por caçadores, colecionadores e atiradores (CACs).
Enquanto o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro flexibilizou o acesso às armas de fogo, o presidente Lula (PT) iniciou sua gestão na contramão, revogando medidas aprovadas anteriormente. O recadastramento de armas pode contribuir para um diagnóstico das pessoas que passaram a portar armas nos últimos anos, bem como seus motivos para tal, de acordo com Ludmila Mendonça Lopes Ribeiro, professora de Sociologia e pesquisadora do Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública (Crisp) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
“Antes do governo Bolsonaro, não é que você não poderia ter armas, mas o acesso era mais difícil. Você tinha que passar por uma série de etapas e uma delas era, inclusive, dizer para quê você quer essa arma”, diz. “Depois, ficou mais fácil ter acesso por parte de quem é CAC e, com isso, perdemos essa qualidade da informação, ou seja, para que as pessoas estão adquirindo armas?” A Tribuna solicitou dados de armas recadastradas em Juiz de Fora, porém, a Polícia Federal informou que possui apenas o balanço estadual.
Aumento de CACs
Um levantamento feito pelos institutos Sou da Paz e Igarapé, que atuam na área de segurança pública, mostrou que a quantidade de armas em acervos particulares no Brasil mais que dobrou entre os anos de 2018 e 2022. Os números analisados foram colhidos pelas instituições por meio da Lei de Acesso à Informação e consideram as armas pessoais ou particulares pertencentes a CACs, de cidadãos comuns com registro para defesa pessoal, de servidores civis com prerrogativa de porte e que compraram armas para uso pessoal e de membros de instituições militares que compraram armas para uso pessoal.
De 1,3 milhão de armas referentes a esses casos em 2018, o número saltou para mais de 2,9 milhões em 2022. As armas pertencentes a CACs foram as que tiveram um aumento mais significativo, já que, em 2018, o número era de 350.683, saltando para 1,2 milhão em 2022. Já as de registro para defesa pessoal Polícia Federal foram de 344.389 em 2018 para 350.683 em 2022. No caso de armas particulares de militares, a quantidade foi de 625.510 para 728.287, em 2018 e 2022, respectivamente.
Isso significa que, em quatro anos, os CACs passaram a ter o maior acervo de armas particulares no Brasil. Em 2018, quase metade deste acervo pertencia a membros de instituições militares (47%), sendo que o restante era dividido entre as armas de defesa pessoal (26%) e CACs (27%). O cenário se inverteu em 2022, quando os CACs passaram a ter 42,5% do total de armas particulares no país, enquanto os militares, apenas 25%.
CACs em Minas
Dados do Sigma obtidos pela Tribuna por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI) mostram que, em parte de Minas Gerais, o aumento de registros cedidos a CACs foi ainda mais exponencial, crescendo dez vezes em quatro anos. Enquanto em 2018 foram concedidos 2.697 certificados de armas de fogo para este grupo, em 2022, esse número foi para 28.895.
Como explicado à Tribuna via LAI, os certificados de CACs são vinculados às Regiões Militares, e não aos estados ou cidades. Desta forma, os dados apresentados se referem à 4ª Região Militar, onde se insere Juiz de Fora. Tal divisão engloba todo o estado de Minas Gerais, com exceção do Triângulo Mineiro.
Especialistas demonstram preocupação com mercado ilegal
De 16 armas e 60 mil projéteis, os CACs passaram à possibilidade de adquirir até 60 armas e 180 mil munições por ano. Para o gerente de projetos do Instituto Sou da Paz, Bruno Langeani, tais medidas geraram maior interesse na migração dos registros junto ao Exército, porém, resultaram em consequências no mercado criminal.
“Os afrouxamentos irresponsáveis, sem acompanhamento na capacidade de fiscalização, tem gerado maior facilidade de obtenção de armas pelo crime, que exploram brechas criadas pelos decretos para comprar armas e repassar ao mercado criminal”, explica. “A liberação de armas mais potentes aos civis, que foram compradas em grande quantidade, também tem gerado uma mudança no mercado de armas do crime, já que esta arma legal muitas vezes é furtada ou roubada.”
Na visão do especialista, o recadastramento está sendo bem sucedido, porém, é esperado que uma parte dos proprietários de armas não participe. “Há muitas investigações mostrando que CACs foram usados como laranjas para revender armas ao crime. Para estas armas, já era esperado que não houvesse esforço de recadastramento.”
A questão do mercado ilegal também é destacada pela professora da UFMG Ludmila Mendonça. Ela avalia que as medidas do governo atual ainda carecem de maior campanha de conscientização sobre a necessidade de recadastramento dessas armas, além de ser necessário pensar o que será feito com os equipamentos, a fim de evitar que eles acabem no mercado ilegal. “Muitas vezes, pessoas envolvidas em mercados ilegais, de repente, começaram a virar CACs porque era tão mais fácil e mais barato adquirir arma legalmente que não fazia sentido você ir para a ilegalidade”, explica a especialista.