50 inquéritos em JF contra terceirizadas
Enquanto se discute se a instituição plena da terceirização no país resultará na precarização ou na modernização das relações de trabalho, a situação desses trabalhadores em Juiz de Fora se mantém semelhante à verificada no restante do país. Salários mais baixos, jornadas exaustivas, atrasos no pagamento de benefícios, meio ambiente de trabalho inseguro, elevados índices de doenças e acidentes levaram o Ministério Público do Trabalho (MPT) a instaurar 50 inquéritos civis na área de abrangência que inclui a cidade e região. Deste total, 13 resultaram em assinatura de termo de ajustamento de conduta (TAC) e nove foram levados para a Justiça do Trabalho, via ação civil pública. O número corresponde a 13% dos 381 inquéritos abertos em todo o estado nos últimos cinco anos.
Levantamento realizado pela Tribuna, com base no banco de dados, aponta que os terceirizados começaram o ano enfrentando problemas com, pelo menos, três empresas contratadas por órgãos públicos. As denúncias de atraso em acerto de salários e benefícios, que motivaram paralisações e comprometimento na oferta de serviços à população, no entanto, acontecem desde o segundo semestre de 2014. São frequentes também em outros anos – 2013, 2012 e 2011 -, especialmente nos meses de dezembro , quando a falta de pagamento do 13º salário e o fechamento de empresas antes de quitar débitos trabalhistas também ganharam coro.
Com mais de dez anos de atuação como terceirizado, um homem de 53 anos, que preferiu não ser identificado, acredita que o avanço na votação do projeto de lei (PL) 4.330/2004 pode trazer benefícios para trabalhadores como ele. “Com o terceirizado, sempre tem um probleminha.” Este mês, por exemplo, ele não conseguiu quitar o aluguel em dia, porque o pagamento, mais uma vez, não foi depositado no quinto dia útil. “Vou ter que arcar com juros e multa, sem poder”, reclama. Ao longo de sua trajetória, o trabalhador sempre exerceu a mesma função, mas já trabalhou para mais de cinco empresas diferentes. Uma delas fechou as portas sem pagar as verbas rescisórias, que só foram recuperadas depois de dois anos de batalha judicial. “Acho que, se a aprovação acontecer, teremos mais segurança no acerto e na rescisão.”
O presidente do Sindicato dos Trabalhadores em Empresas de Asseio e Conservação (Sinteac), Sérgio Félix, tem a mesma opinião e defende a regulamentação do setor, sem a precarização do trabalho. Segundo ele, a categoria inclui cerca de seis mil terceirizados na cidade, cuja maioria recebe o mínimo e alguns benefícios, como tíquete-alimentação. “No nosso segmento terceirizado, temos dificuldades como todo trabalhador comum. O maior problema, infelizmente, concentra-se no setor público. O tomador federal, estadual ou municipal não costuma fiscalizar quem contrata. No setor privado, raramente há algum tipo de transtorno.”
Uma terceirizada de 23 anos, que mantém o nome sob sigilo, discorda. Na sua opinião, a aprovação do PL deve ampliar e generalizar os problemas enfrentados hoje. “Adoro o meu trabalho, mas a minha experiência com a terceirização é péssima. É muito inseguro trabalhar o mês inteiro, sem saber se você vai receber ou não no final do mês. Sempre preciso ter um dinheiro guardado ou contar com a ajuda de alguém.” Ela atua como terceirizada desde 2013. Neste período, perdeu as contas das vezes em que o salário foi atrasado. O vencimento de dezembro de 2014, por exemplo, só foi recebido na semana passada. Ela engrossa o grupo que briga na Justiça para receber uma rescisão devida há, pelo menos, dois anos. “A medida não vai garantir mais direitos à nós, terceirizados. O que vai acontecer é propagar o problema.”
Perfil
No país, os terceirizados recebem, em média, 24,7% a menos do que os contratados diretos. Trabalham, pelo menos, três horas e meia a mais e são as principais vítimas de acidente de trabalho. Os terceirizados também permanecem menos tempo no emprego (2,7 anos) ante os celetistas (5,8 anos). A rotatividade chega a 64,4% contra 33% dos demais. O universo de terceirizados soma 12,7 milhões trabalhadores contra 34,7 milhões protegidos pela Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), conforme o dossiê “Terceirização e Desenvolvimento: uma conta que não fecha” da CUT, com dados de 2013.
MPT: atividade-fim já é atingida
Ao contrário dos defensores da regulamentação da terceirização, o professor de Direito da UFJF Fernando Guilhon afirma que a aprovação do PL 4.330/2004 não significa, necessariamente, que estes trabalhadores possam adquirir mais direitos ou contar com melhores condições. Para ele, a precarização das relações trabalhistas é a consequência direta de qualquer projeto que amplie a terceirização. “Os terceirizados têm salários mais baixos, estão sujeitos a carga horária maior e não estão amparados por acordo trabalhista.” Na sua opinião, isso gera dois grupos: um mais privilegiado, com melhores condições por contar com uma convenção coletiva e uma “subclasse terceirizada” que ora está em uma empresa, ora em outra, sempre com direitos diminuídos, salário mais baixo e até uniforme diferente ante os demais. Mediante a jornada maior do que a de celetistas, o professor identifica o risco real de perda de postos.
Autor do livro “Os Limites constitucionais da terceirização”, o procurador do Trabalho Helder Amorim explica que a prática da terceirização chegou ao país há mais de 20 anos, como alternativa para a especialização da produção. O argumento era que as empresas poderiam se concentrar em seu “objeto social estrito”, sem se preocupar com “atividades periféricas”, como asseio e conservação e determinadas especialidades técnicas. “Na prática, porém, o MPT tem apurado, reiteradamente, que a terceirização ganhou terreno na atividade-fim das empresas, como estratégia para redução de custos, por meio da precarização das condições de trabalho”, afirma.
No entendimento do Ministério Público do Trabalho (MPT), a terceirização da atividade-fim é ilícita e integra o rol de temas prioritários que o órgão enfrenta, por seu “caráter perverso e recorrente”. O procurador do Trabalho em Juiz de Fora, Wagner Gomes do Amaral, comenta que a prática é o principal problema verificado na cidade e região. Ele confirma a incidência de casos também na iniciativa privada, especialmente em setores como os de siderurgia, construção civil, frigoríficos e cooperativas. “O trabalhador, nesta condição, costuma estar alijado do processo produtivo”, avalia.
“Esse projeto rasga a CLT”, frisa o presidente da CUT Regional Zona da Mata, Watoira Oliveira. Na sua opinião, os terceirizados hoje são tratados com “descaso”. “Embora a carteira assinada seja uma obrigação, poucos têm vale-transporte. Plano de saúde, quase ninguém.” Watoira reforça os transtornos recorrentes relacionados a atraso no pagamento de salários e benefícios. “O terceirizado não tem entidade que lute por ele, isso provoca redução salarial.” Um dos riscos apontados pelo sindicalista é o de demissões em massa. Apesar da mobilização dos trabalhadores, como o ato realizado em Juiz de Fora na quarta-feira, o presidente teme que a medida entre em vigor. “O prejuízo é incalculável.”
Empresariado comemora ganho de competitividade
Para a Confederação Nacional da Indústria (CNI), a regulamentação da terceirização é indispensável para a melhoria do ambiente de negócios e a modernização das relações de trabalho. A prática é considerada um fenômeno irreversível, “reflexo da divisão do trabalho moderno num contexto produtivo globalizado”. Sondagem realizada pela CNI aponta que 70% das indústrias contratam serviços terceirizados. Dentre elas, 75,2% observariam, de forma espontânea, se a contratada cumpre com os encargos e as obrigações trabalhistas. “A terceirização é feita de forma responsável pelas empresas contratantes”, afirma, por nota.
Para o presidente da Fiemg Regional Zona da Mata, Francisco Campolina, o projeto é a maior evolução da relação trabalhista desde a promulgação da CLT. “Não temos ideia do quanto será favorável à competitividade do setor produtivo.” Campolina destaca que a prática é recorrente no meio empresarial e, se regulamentada e ampliada, vai baratear o custo da produção e acabar com a insegurança jurídica que ameaça o setor. Sobre a polêmica a respeito dos direitos trabalhistas, o presidente avalia que “as garantias trabalhistas e previdenciárias são de 100%”. Na sua opinião, quanto mais empresas atuarem no ramo, mais competitivo será o mercado, beneficiando diretamente os trabalhadores.
“Existem muitos dogmas sobre a terceirização. Em primeiro lugar, ela não é sinônimo de precarização”, defende o professor de Direito do Insper, Fernando Peluso. Sobre os argumentos de que estes trabalhadores ganhariam menos e seriam as principais vítimas de acidente de trabalho, o professor cita a prevalência deste tipo de contratação em setores, como segurança e limpeza, “serviços mais braçais e, portanto, atividades mais expostas a acidentes, o que me parece absolutamente justificável”. Em relação a salários menores, Peluso questiona a base de comparação adotada, alertando que é necessário analisar o perfil do funcionário direto e a categoria envolvidos.
Peluso destaca a importância de o PL regulamentar a matéria, hoje desprovida de leis, garantindo segurança jurídica para realizar terceirizações. Outro avanço considerado importante é o fim da separação entre atividades-fim e meio – que motiva intensa discussão jurídica pela falta de definição concreta – com a criação do conceito de atividade específica. Sob o aspecto do terceirizado, a avaliação é que este trabalhador receberá uma nova forma de proteção, já que o tomador de serviço, de acordo com o caso, passa a ter responsabilidade solidária na dívida. “Acredito que a lei vai trazer novos níveis salariais para os terceirizados no país.”