Reforma da Previdência motiva busca por aposentadoria
Nos últimos cinco anos, procura por benefício por tempo de contribuição cresceu 61,6% em Juiz de Fora e Região
A procura por aposentadoria por tempo de contribuição cresceu 61,6% em Juiz de Fora e região nos últimos cinco anos, de acordo com dados do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Cada vez mais próxima de se tornar realidade, a Reforma da Previdência é um dos fatores apontados por especialistas para justificar o aumento no número de solicitações, especialmente a partir de 2016, quando as discussões foram intensificadas logo após o ex-presidente Michel Temer assumir o governo. Entre 2016 e 2017, o crescimento foi de 36,4%. Os números contemplam, além de Juiz de Fora, as agências de Carangola, Cataguases, Leopoldina, Muriaé, Além Paraíba, Palma, Recreio, São João Nepomuceno e Espera Feliz.
Para a presidente da Comissão de Direito Previdenciário da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) de Juiz de Fora, Paula Assunção, o crescimento no número de solicitações nos últimos dois anos ocorreu por haver, de fato, discussões sobre a Reforma da Previdência. A proposta de emenda à Constituição (PEC) 287 foi apresentada em dezembro de 2016 e chegou a ser aprovada pela Comissão de Constituição e Justiça de Cidadania e por Comissão Especial na Câmara dos Deputados. “As regras da aposentadoria mudariam bruscamente, então as pessoas realmente procuraram o mais depressa possível para se aposentar e não perder direitos, caso a reforma passasse.”
O professor da Faculdade de Economia da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Ricardo Freguglia, também acredita que a possibilidade de aprovação da Reforma da Previdência pode ter algum efeito nos pedidos de benefício. “O (Governo) Temer deu maior ênfase à necessidade de se rever a Previdência. Então, o aumento a partir de 2016, pode ser uma consequência dessa tentativa de aprovar a reforma.”
Sandra Moreira, 50 anos, foi uma contribuinte que procurou se aposentar antes que houvesse alguma mudança. No caso de Sandra, por ser professora, a aposentadoria por tempo de contribuição é um benefício previsto para o profissional que comprovar 25 anos de pagamento, se mulher, desde que exercidos unicamente em função de magistério. Tendo atingido o tempo necessário, Sandra iniciou os processos para contagem de tempo de serviço em 2017 e conseguiu o benefício em 1º de janeiro deste ano.
De acordo com a aposentada, a atual realidade da profissão, cada vez mais dificultosa, juntamente com a possibilidade de uma reforma, a motivou a solicitar o benefício. “Tenho 50 anos e fiquei com medo de ter que esticar esse tempo, digamos que trabalhar até 65 anos. Acredito que iria ficar bem desgastada, então aproveitei. Acho que a reforma vai sair de qualquer maneira.”
65 anos para a idade mínima
A equipe econômica do presidente Jair Bolsonaro definiu, na última semana, a proposta de idade mínima para aposentadoria, sendo 65 anos para homens e 62 anos para mulheres – com um período de transição de 12 anos para as mulheres e 10 para os homens. A informação foi dada pelo secretário especial da Previdência e Trabalho, Rogério Marinho, na quinta (14). Ainda conforme o secretário, o texto será assinado pelo presidente e deve ser encaminhado ao Congresso Nacional na próxima quarta-feira (20).
No início do mês, um documento do Governo vazado para o jornal “Estado de São Paulo” defendia o estabelecimento de uma idade mínima de 65 anos para homens e mulheres, além de um mínimo de 20 anos de contribuição para o trabalhador receber 60% da aposentadoria. Os anos de contribuição aumentariam gradualmente até o limite de 40 anos, para o recebimento de 100% do benefício.
Na semana passada, no entanto, o secretário especial Rogério Marinho havia alertado que o texto base seria “bem diferente”. Até agora, no entanto, não houve detalhamento da proposta, não se sabe como será feita a transição e quem deve ser incluído na reforma. A expectativa é de que tudo seja revelado na próxima semana.
Para o professor Ricardo Freguglia, da Faculdade de Economia/UFJF, a insegurança por não saber o que será proposto foi o que estimulou os contribuintes, até agora, a solicitarem a aposentadoria, tanto no setor público quanto privado. “Grande parte do temor no setor privado – que são os dados disponibilizados pelo INSS – tem relação com a mudança na idade de aposentadoria e nesse tempo de contribuição. Quando você fala no setor público, ainda tem outros fatores que podem apressar isso, não apenas no aumento do tempo de contribuição e aposentadoria por idade, mas a implementação de regras de transição para determinados funcionários públicos, que ainda também não está bem definido como vai ser.”
Mudança de regras na reta final
O jornalista Marcos Lopes La Falce está receoso com a possibilidade da Reforma da Previdência. Até 1997, a aposentadoria dos jornalistas possuía um regime especial, instituído pela Lei 3.529/1959, que assegurava 30 anos de contribuição para os profissionais. O texto, no entanto, foi revogado pela Lei 9.528 de 1997. Desta forma, por ter trabalhado dez anos dentro deste regime especial, La Falce está encontrando dificuldades para conseguir o benefício, tendo o pedido já negado pelo INSS, o que o levou a entrar na Justiça. Aos 58 anos, o jornalista já teria pontuação para se aposentar. Porém, com o imbróglio, ainda restariam pouco mais de um ano para entrar no atual sistema de 35 anos de contribuição. “O problema nisso é estar no jogo, e o esse jogo mudar de regra. Eu estou me preparando há um tempo e, de repente, muda na reta final”, lamenta.
De acordo com Paula Assunção, presidente da Comissão de Direito Previdenciário da OAB-JF, as especulações quanto à Reforma da Previdência têm aumentado, inclusive, o número de “curiosos” nos escritórios de advocacia, ou seja, pessoas querendo entender se devem ou não aposentar em meio às discussões sobre a proposta. No entanto, a advogada acredita que o melhor a se fazer, no momento, é aguardar informações concretas, especialmente os trabalhadores prestes a completar o tempo necessário de contribuição na norma vigente, que também devem se atentar às normas de transição. “Eu oriento a aguardar a proposta definitiva, para que nós tenhamos como fazer uma análise real do que pode acontecer.”
Especialistas apontam outros fatores
A advogada Paula Assunção, presidente da Comissão de Direito Previdenciário da OAB/JF, aponta dois fatores que podem se relacionar ao aumento do número de solicitações para o benefício em 2018: a mudança na tabela progressiva e a troca de Governo federal. A gestão Bolsonaro, de acordo com a advogada, impactou nas solicitações por defender uma visão “mais neoliberal”. “Para um governo que já entende que o Estado não pode arcar com tantas coisas, as pessoas já procuraram segurar seus benefícios.”
Em relação à tabela progressiva, para se obter aposentadoria por tempo de contribuição, é preciso atingir uma pontuação que, no entanto, sofre mudança a cada dois anos, sempre com o acréscimo de um ponto ao total. Desta forma, com a virada do ano, a mulher passou a precisar atingir 86 pontos, e homem, 96. Em 2018, a pontuação era de 85 para mulheres e 95 para homens. Para se chegar a este resultado, deve-se considerar o tempo de contribuição mínimo, que é de 30 anos para mulher, e de 35 anos para homem, e a idade do beneficiário, respectivamente. “A tabela virou. Então, muita gente ia perder a possibilidade de se aposentar pela tabela progressiva, com a soma 85/95, por isso, também, o ano passado foi um ápice.”
Com a mudança da tabela, o contribuinte que não atingiria a nova pontuação, mas que ainda assim gostaria de se aposentar, teria que estar sujeito ao fator previdenciário – cálculo matemático que define o valor inicial do benefício a ser pago mensalmente ao cidadão. Esse valor, no entanto, é reduzido ao se aplicar o fator previdenciário. “Concluiu-se que as pessoas estavam alcançando o tempo de contribuição necessário por volta dos 50 anos de idade. Nós sabemos que, com 50 anos, a inserção no mercado de trabalho é muito difícil, mas os economistas entendem que, nessa idade, a força produtiva de um homem ou mulher ainda existe. O fator previdenciário foi criado com esse intuito: se a pessoa tentar se aposentar muito jovem, ela vai fechar o tempo de serviço – 35 anos para homens e 30 anos para mulheres – mas estará com uma idade ainda economicamente ativa. Aí o fator previdenciário vai ser equivalente a 50% ou 60%, por exemplo, do seu benefício”, explica Paula.
Para o cálculo do fator previdenciário, o INSS leva em conta a expectativa de sobrevida, bem como idade e tempo de contribuição até o momento da aposentadoria, aplicados em uma fórmula. O fator, então, é multiplicado pelo resultado de uma média aritmética dos maiores salários de contribuição. “Às vezes, a pessoa contribuía sobre R$ 2 mil a vida toda, por exemplo, mas na hora de se aposentar, fica com R$ 1.400. Para ela, não compensa. Esses R$ 600 vão fazer diferença para pagar um aluguel, contas ou plano de saúde. Por isso, as pessoas têm que fazer um planejamento previdenciário adequado”, afirma. “Até para podermos dizer: peça a aposentadoria de uma vez porque não vai fazer tanta diferença, ou então não peça porque para você vai fazer muita diferença. Isso tem que ser avaliado caso a caso.”
Fim do ‘bônus demográfico’
O déficit na Previdência Social superou os R$ 290 bilhões no ano passado. De acordo com Ricardo Freguglia, não é possível sustentar a Previdência no regime atual, levando em consideração a nova estrutura demográfica da população, já que o Brasil perdeu o chamado “bônus demográfico”. A expressão está relacionada ao envelhecimento dos brasileiros. Há alguns anos, havia muitos jovens ingressando no mercado de trabalho; agora, esses jovens estão envelhecendo e não tendo tantos filhos quanto no passado. Desta forma, há menos trabalhadores ingressando no mercado.
“A capitalização se faz dos mais jovens para pagar a aposentadoria dos mais velhos”, explica o professor Ricardo Freguglia, da UFJF. “Se a reforma tivesse sido feita um pouco antes, quando ainda tínhamos muitos jovens ingressando no mercado de trabalho, as mudanças seriam muito mais fáceis de serem implementadas e menos drásticas.” Para ele, o envelhecimento da população brasileira pode tornar natural um maior número de aposentadorias por tempo de contribuição.
“Os trabalhadores estão vivendo mais, de modo geral, e tendo cada vez menos filhos. Esse envelhecimento, naturalmente, vai gerar um maior número de pessoas que se aposentam por tempo de contribuição. Isso pode ser um movimento natural da maior taxa de pessoas idosas da população, onde o tempo de contribuição está fazendo com que já possam aposentar a partir de agora.”
De acordo com o economista, o movimento na procura por aposentadorias ficará mais evidente quando as tramitações no Congresso Nacional se iniciarem. “Até então, eram apenas indícios de que a reforma iria passar – e, de fato, não passou no Governo Temer. Mas, agora, parece que tem um fator a mais para analisarmos e, em breve, teremos uma resposta.”