Chuvas no RS podem afetar preços de alimentos
Especialista aponta que, apesar de possível aumento nos valores, produtos não devem ficar escassos
As fortes chuvas que assolam o Rio Grande do Sul devem refletir no preço de determinados alimentos, seja por conta dos impactos no plantio e colheita ou na logística de distribuição. Apesar disso, produtos como o arroz não devem ter o abastecimento comprometido, considerando que, antes das chuvas, 60% da produção no estado já havia sido colhida, conforme dados da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). Apesar de a preocupação estar levando a uma movimentação maior nos supermercados, especialista ouvido pela Tribuna aponta que não há necessidade de “pânico”.
O Rio Grande do Sul é um dos principais produtores de soja, arroz e trigo, itens que devem sofrer reflexos nos preços por conta da situação no estado. De acordo com o economista e professor da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) Weslem Rodrigues Faria, apesar da produção da soja ocorrer em maior quantidade, o produto é destinado à exportação. Desta forma, o arroz, usado no mercado doméstico, pode sofrer maior impacto. Além disso, o Rio Grande do Sul também tem papel importante no cenário nacional de produção de proteína animal, como frango, bovino e suíno.
“No Sul, há muitos frigoríficos, e algumas empresas importantes se localizam na região. O Rio Grande do Sul é um importante produtor e fornecedor de matéria-prima para essas empresas. Então, pode ser que os frigoríficos sejam impactados negativamente no recebimento de matéria-prima do Rio Grande do Sul”, explica.
O leite também pode sofrer efeitos por conta do período de estiagem que atinge a Região Sudeste entre maio e agosto. Conforme o economista, a Região Sul costuma contribuir para a manutenção dos preços do leite e fornecimento neste período. Desta forma, com as enchentes, o produto também pode levar a um reflexo no bolso do consumidor.
Apesar da expectativa de reajuste nos preços, Faria alerta que não há motivos para pânico e corrida aos supermercados. Como lembrado pelo especialista, dados da Conab apontam que, até o início das chuvas, 60% da produção no Rio Grande do Sul já havia sido colhida.
“O Brasil trabalha com reservas que são colocadas no mercado para tentar mitigar um pouco esses choques de oferta que acontecem, por exemplo, por eventos climáticos que afetam a produção agrícola. Na verdade, o efeito maior pode ser provocado por esse pânico que os consumidores tendem a esperar que haja escassez, mas acredito que não seja uma coisa que os consumidores devam se preocupar.”
Movimento nos supermercados
A expectativa de aumento nos preços, especialmente do arroz, já vem preocupando os consumidores nos supermercados. Na percepção de Keila Siqueira, de 41 anos, no momento, os produtos ainda não sofreram alterações, mas há o receio de que isso possa ocorrer. “Com o que está acontecendo no Rio Grande do Sul, estamos escutando essa questão de que o arroz, principalmente, poderia ou acabar ou ficar acima do valor. Por essa questão, estamos um pouco preocupados e estamos começando a fazer até estoque.”
O sentimento de receio é compartilhado por Regina Silva, de 65 anos. “Se faltar, nós vamos ter que importar, aí vai ficar mais caro pra nós. Já estava a preço ‘de ouro'”, brinca. Para a aposentada, no momento, o ponto principal é buscar ajudar a população do Rio Grande do Sul, de forma que a situação no local se recupere em breve.
Por outro lado, Flavine Miranda, 48, esteve no supermercado para compras regulares. Como lembrado pela professora universitária, há uma série de medidas econômicas que buscam minimizar os impactos das chuvas no Rio Grande do Sul no preço dos alimentos. Desta forma, avalia, possíveis aumentos podem ocorrer por conta da especulação de mercado.
“Hoje eu já percebo no mercado toda a movimentação com relação às gôndolas de grãos. E isso me remete à ideia da especulação, porque quem acompanha os noticiários está vendo que o Governo federal está tomando uma série de medidas para que não haja nenhum problema com relação ao aumento de preços especulativos no país, em função da safra de arroz, principalmente”, diz. “Com certeza, os preços vão aumentar, mas não por questões relacionadas especificamente à tragédia, mas por pura especulação de mercado. O Governo federal está tomando medidas para que isso não aconteça, mas precisamos também da consciência e da boa vontade dos especuladores, que não queiram ganhar em cima da tragédia humana.”
Por meio de nota, a Associação Mineira de Supermercados (AMIS) informou que a prática dos estabelecimentos “são decisões autônomas de cada empresa, com o objetivo de propiciar a todos os consumidores o acesso ao produto. A orientação da AMIS aos consumidores é que evitem compras para formar estoques. O aumento anormal da demanda nesse sentido representa desestabilização da cadeia de abastecimento, com o desequilíbrio entre procura e oferta, o que é prejudicial ao próprio consumidor. A entidade informa ainda que o setor supermercadista mineiro está abastecido e com capacidade para atender a toda a população mineira. Por fim, a AMIS e todo o setor supermercadista mineiro se solidarizam com o povo gaúcho neste momento de tamanha catástrofe.”
Minas
Em nota encaminhada à Tribuna, a Central de Abastecimento de Minas Gerais (CeasaMinas) informou que as fortes chuvas ocorridas no Rio Grande do Sul nos últimos dias ainda não impactaram os preços de hortigranjeiros. A entidade conta com seis entrepostos da estatal localizados em Juiz de Fora, Barbacena, Governador Valadares, Caratinga, Uberlândia e Contagem.
Logística de distribuição comprometida reflete nos valores
O alto volume de chuvas registrado no Rio Grande Sul não compromete apenas o plantio e a colheita de safras, como também a distribuição de qualquer serviço ou bem produzido na região, como aponta o coordenador dos Índices de Preços do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (IBRE-FGV), André Braz. Isso porque a logística foi afetada pela queda de pontes e danos nas estradas, fora o próprio desabastecimento que já atinge o estado. Apesar disso, ainda pode levar um tempo para avaliar a extensão dos danos, devido à situação que se encontra o Rio Grande do Sul.
“É uma situação caótica na qual não há condição de fazer um acompanhamento da evolução dos preços, porque muitos nem estão sendo comercializados ainda. Mas o que sabemos é que sempre que há uma restrição de oferta, há um aumento de preço, então, esperamos alguma inflação tanto para o estado quanto para o país.”
Como lembrado pelo especialista, o estado também é responsável pela produção de outros itens industrializados que são distribuídos por todo o país. “Se está difícil escoar aquilo que já está produzido e de retomar a produção pela falta de matéria-prima e pela falta de infraestrutura, isso só piora a situação. Então, vai haver o impacto, mas ainda não temos condição de medir a extensão dele e de como a agricultura vai ser prejudicada também.”
Brasil irá importar arroz
De acordo com informações da Agência Brasil, a Conab irá comprar arroz já industrializado e empacotado no mercado internacional para evitar uma possível escalada no preço. O anúncio da medida foi feito pelo ministro da Agricultura e Pecuária, Carlos Fávaro, nesta terça-feira (7).
Conforme o ministro, perdas na lavoura, armazéns alagados e, principalmente, a dificuldade logística para escoar o produto, com rodovias interditadas, poderiam criar uma situação de desabastecimento, resultando na elevação dos preços no comércio. Ainda segundo a Agência Brasil, o Brasil produz cerca de 10,5 milhões de toneladas de arroz, sendo que entre 7 e 8 milhões vêm de produtores gaúchos, o que representa quase 70% da produção nacional. O consumo interno anual, de 12 milhões de toneladas, supera a produção nacional, e o país já costuma importar o grão todos os anos.