Conheça Laís Aguiar: dançarina afro e atriz que encontrou na arte um corpo ancestral

Na coluna ‘Sem lenço, sem documento’ desta semana, conheça a trajetória da jovem de 22 anos, que encontra na arte um espaço de acolhimento e formação coletiva


Por Elisabetta Mazocoli

30/11/2025 às 06h52

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(Foto: Deborah Linhares)

Quando o corpo pede, é preciso atender. Foi o que notou Laís Aguiar, de 22 anos, quando se mudou de Petrópolis para fazer Ciências Sociais na Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e viu sua saúde mental sofrendo impactos pela rotina, morando sozinha, estudando e entrando no mercado de trabalho. “Percebi que estava ficando adoecida e precisava voltar a fazer arte, que é o que consegue me conectar comigo mesma”, relembra. Foi nesse momento que procurou o projeto Gente em Primeiro Lugar, da Prefeitura de Juiz de Fora (PJF), e encontrou iniciativas que alterariam sua trajetória. O que começou a ser trilhado ali resultou em um aprofundamento na dança afro, que até então ela não conhecia — mas que foi uma forma de movimentar seu corpo e também de encontrar um espaço de acolhimento do qual precisava. Desse encontro, surgiu o corpo de dança pro bloco Muvuka, chamado Aya, e várias oficinas que passou a oferecer para que mais pessoas conhecessem a dança afro. Além disso, ela também intensificou seu trabalho no teatro e calculou a rota: agora é artista de várias linguagens, não tem medo de dizer.

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(Foto: Sophia Abi Daud)

A primeira oficina da qual Laís participou foi de teatro e percussão, no Dnar Rocha, até que encontrou um processo seletivo para o projeto “Passos e toques”, já do Muvuka. Essa iniciativa aconteceu em 2023 e unia as duas artes junto com a dança afro. Foi o primeiro contato que ela teve, apesar de já ter feito outras modalidades de dança na infância. “Comecei a fazer e me apaixonei”, conta. Os motivos para essa conexão foram variados, mas o principal, para ela, foi a possibilidade de ir experimentando de forma orgânica. “Não me considerava uma pessoa com muitas habilidades de dança, mas na dança afro achei um espaço de acolhimento. Para além da dança como uma técnica de estética e plástica, é um lugar de ancestralidade, de sentir o que o corpo é capaz de fazer e sente vontade de fazer”, conta. O final do projeto resultou no espetáculo “Egunitá”, que também a aproximou das outras mulheres que formariam o corpo de dança do bloco.

A dança afro, como explica, não é uma coisa só: pode ser desde o jongo ao samba de roda. No Muvuka, por exemplo, ela trabalha com o samba raggae. Mas o que gosta mais, nessa linguagem, é a possibilidade de conter em si o desejo por liberdade e conexão. “É um lugar pra onde você não vai só pra fazer uma aula, se mexer e ir embora, fazer uma coreografia e ficar bonita. É um espaço de acolhimento, para a gente pensar na nossa história, no que resiste”, conta. Isso porque, como explica, as pessoas se conectam para além do momento de aula, e isso a ajudou a formar conexões reais na nova cidade, principalmente sendo uma mulher negra dentro da universidade, que ela nota que ainda é um ambiente muito branco. “Sentia falta desse grupo de acolhimento, de me sentir pertencente, e na dança afro encontrei um grupo de mulheres, em sua maioria negras, que compartilhavam das mesmas vivências que eu, dos mesmos desejos que eu”, reflete.

A experiência em Juiz de Fora, no entanto, fez com que ela começasse a repensar suas experiências na cidade natal. “Petrópolis é uma cidade menor e que ainda carrega muitos traços coloniais. Quando me mudei pra cá, achei uma cidade muito mais cultural, via coisas aqui que nunca tinha visto na minha cidade, principalmente na parte da cultura afro”, conta, citando como exemplo o maracatu, o samba de roda e a capoeira presentes em várias praças da cidade. Isso gerou uma espécie de ressentimento nela, por não ver o mesmo acontecendo onde cresceu. Foi assim que pensou no projeto “Raízes e ritmos”, que inscreveu na Lei Aldir Blanc, e que teve a primeira edição em novembro deste ano. A intenção era promover encontros que trouxessem a dança afro para o centro, com grupos da cidade e também de Juiz de Fora. “Percebi que é uma demanda de lá. Foi importante pra mim devolver isso, porque saí da minha cidade pra aprender”. 

Corpo em expansão

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(Foto: Deborah Linhares)

Se no começo seu corpo pedia por movimento, com a entrada da dança afro em sua vida, ele foi pedindo cada vez mais por mudança: inclusive na forma com que ela se enxergava. Uma das principais transformações, nesse sentido, foi trazida pelas apresentações feitas durante os blocos de carnaval na rua, quando estava em contato com centenas de pessoas, e precisa dançar e seguir o cortejo cercada de tambores. “Pegamos muito sol e pegamos chuva. Mas é revitalizante ao mesmo tempo. É uma troca de energia muito forte, porque é muita gente na rua sorrindo, te vendo, querendo tirar foto”, conta. 

É também essa energia que tenta levar para as oficinas que passou a dar. “Não é um espaço técnico. Não busco fazer todo mundo dançar igualzinho e perfeitinho. Quero que todo mundo sinta o som do tambor e se movimente em comunhão”, conta. Essa ideia, ainda, combina bastante com a sua prática como atriz, que ela enxerga muito ligada a uma “brincadeira” com o corpo, apesar de saber que vem carregada de muito estudo e pesquisa. Ela já integrou espetáculos como “Hoje é dia de Maria”, “A mulher Maracanã”, “A benção das águas” e também está trilhando uma carreira no audiovisual. “É uma autoestima que traz pra gente muito forte, é uma sensação de poder, de conseguir fazer algo, de reconhecer o seu corpo em uma nova forma de se mexer. É uma nova Laís”, diz.

Entre linguagens 

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(Foto: Marcela Calixto)

Laís não separa mais quem é no curso de Ciências Sociais, na dança ou no teatro. Ela entende que o seu percurso, agora, está todo inter-relacionado: uma outra parte disso, inclusive, está se dando na faculdade, a partir de projetos de iniciação científica sobre o teatro negro e o coletivo Causos Gerais (que não é da universidade, mas ela conheceu lá). “Eu ficava tentando fugir, mas toda hora aparecia uma coisa me levando pra esse caminho”, conta e ri. Sabe que ainda é nova e não pode ter certeza do futuro, mas tem gostado de experimentar. E entende que legitimar o que faz como arte é legitimar os passos que vieram antes dos seus – e ainda abrir caminhos para os próximos.

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