O teatro é o que a máquina jamais será

No tempo das máquinas, o teatro resiste como o último espaço do encontro, um laboratório onde o ser-humano se revela


Por Pedro Moysés

05/11/2025 às 06h00

No teatro escuro, uma luz fria de tela ilumina o rosto. O reflexo azul substitui o antigo foco que revelava o ator em cena. No entanto, enquanto o mundo desliza os dedos sobre superfícies lisas, há quem ainda escolha o caminho mais árduo: o de estar presente. O de olhar e ser olhado. O de fazer teatro.

Jerzy Grotowski chamou o seu espaço de “laboratório”. Mais do que uma metáfora, era uma forma de devolver à arte teatral a sua condição de pesquisa, de risco e de verdade. Em seu livro “O Teatro Laboratório de Jerzy Grotowski”, ele inicia sua escrita com uma pergunta essencial: “qual é a essência do teatro? Em que consiste sua especificidade, o que o separa de outras formas de espetáculo, como o cinema e a televisão?”. A resposta, obtida após uma década de experiências, é simples e radical: o que resta do teatro, quando tudo é retirado, é a relação viva entre ator e espectador.

“Se o teatro se expandisse em recursos mecânicos, ele sempre seria inferior ao cinema e à televisão”. O que surgiu como limitação tornou-se potência. Enquanto o mundo celebrava o avanço técnico, Grotowski pregava um teatro pobre, despojado de artifícios, onde a pobreza é escolha estética e ética. O teatro, dizia, só existe no encontro e o único elemento insubstituível e constitutivo do teatro era a “relação viva entre ator e espectador”.

O ator, nesse espaço, é o seu próprio instrumento. Para ele, o trabalho do ator não consiste em acumular técnicas, mas em um caminho negativo, voltado à eliminação das resistências e bloqueios. O objetivo final era o ato total, um momento em que o corpo ultrapassa o fingimento e se oferece “num completo desnudar-se, sem a mínima marca de egotismo”. O teatro, então, não é uma simulação, mas uma oferenda.

Em Juiz de Fora, há algo de um espírito grotowskiano. Em cada sala improvisada que se transforma em espaço cênico, nos ensaios que resistem e em cada grupo que transforma o pouco em potência. Quando um grupo monta uma peça num espaço adaptado, ou quando um espetáculo se ergue com o mínimo, ali também se cumpre o mesmo princípio: a busca pelo essencial. A pobreza, aqui, é também forma de resistência.

A relação entre ator e público ainda é o que sustenta o teatro. O espectador assiste a este ato extremo, mas não se trata de comunicação no sentido tradicional, ele não é convidado a consumir, mas a testemunhar. No teatro, diferentemente da tela, algo realmente acontece. A cada sessão, o tempo se dobra e se apaga, o instante se torna absoluto.

Peter Brook, que chamou Grotowski de “cientista espiritual”, afirmou que “ninguém depois de Stanislavski explorou tão profundamente a natureza do jogo do ator”. E talvez seja por isso que, em tempos de inteligência artificial e algoritmos, a lição de Grotowski soe tão necessária. O teatro não precisa competir com a máquina. Ele precisa continuar sendo o que a máquina jamais será: o espaço do humano, o teatro do erro, do suor, do olhar que se reconhece.

“O teatro é o lugar onde o invisível se torna visível”, escreveu Brook. E é disso que se trata, tornar visível o que o mundo tenta esconder.

Enquanto as telas simulam presença, o ator insiste na presença. E, nesse gesto pobre, porém imenso, o teatro segue sendo o maior dos laboratórios, um lugar onde o ser humano ainda tenta se compreender.

Em Cartaz

O teatro é o que a máquina jamais será
Entre questionamentos filosóficos e a realidade nua e crua da vida, o Grupo Divulgação (GD) traz ao público o novo espetáculo “Volta por cima”. A estreia acontece na próxima quarta-feira, dia 22 de outubro, às 20h, no Forum da Cultura da UFJF. As apresentações seguem até o dia 15 de novembro, de quarta-feira a sábado, sempre às 20h. (Foto: Divulgação)

“Volta por cima” – Grupo Divulgação

Quando o palco se adapta. O novo espetáculo do Grupo Divulgação transforma uma sala intimista em território de grandes sentimentos. Texto e direção de José Luiz Ribeiro.

Sinopse: Uma viúva, após anos de completa felicidade com o marido, descobre ter sido traída por ele. Não bastasse a decepção, eis que surge um filho bastardo, fruto de uma relação do companheiro fora do casamento.

  • Local: Forum da Cultura (Rua Santo Antônio, 1112 – Centro)
  • Temporada: de quarta a sábado, sempre às 20h, até 15 de novembro
  • Ingressos: reservas antecipadas pelo WhatsApp/telefone (32) 99906-3850

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