‘Sou básica’
Para ela, jeans e camiseta. Para muitos dos personagens que veste, glamour e alta-costura. Na correria da figurinista Labibe Simão, o contraste passa despercebido. Responsável pelo figurino de "O Astro", macrossérie global que chegou ao fim na última sexta, a juiz-forana prefere o básico para seu dia a dia. "Preciso de conforto", explica. Labibe também não gosta de comprar roupas e assistir a novelas. Há dez anos, entretanto, ajuda a caracterizar figuras que inspiram a moda do público. Na Globo, já atuou em "Mulheres apaixonadas", "Amazônia", "Cama de gato", "A cura", entre outros programas. "Comecei a assinar os trabalhos com ‘Malhação’, em 2004", relembra.
Quando ainda morava por aqui, a figurinista integrou a Companhia de Atores da Academia, mas preferia os bastidores. "O teatro me ajudou a entender o que eu realmente queria", comenta, acrescentando que colaborou na construção de diversos figurinos da trupe, como o de "Vô Candinho e seus bonecos", que chegou a ganhar prêmios. Formada em estilo pela Universidade Veiga de Almeida, Labibe também vestiu o elenco dos filmes "A partilha" e "Nosso lar", além de ter vivido períodos fora do país. Em Portugal, criou os trajes da novela "Mundo meu" e, na capital francesa, passou por uma pós-graduação em figurino na École Supérieure des Arts et Technique de la Mode (Esmod) e por um curso de "moulagé" (modelagem feita direto no manequim, sem papel) na École de la Chambre Syndicale de la Couture.
Tribuna – Sua profissão foi uma escolha ou um acidente?
Labibe Simão – Uma escolha. Realmente investi na profissão. Antes, cheguei a prestar vestibular para psicologia. A princípio, pode parecer que a área não tenha nada a ver com o que faço hoje, mas percebo uma ligação. Meu trabalho envolve pessoas, egos, tudo ao mesmo tempo. Vejo que já estava encontrando minha direção naquela época. Mas dou graças a Deus por não ter passado (risos). Era dona de uma loja na cidade e comecei a me aproximar da moda. E ainda tinha o teatro, que ampliou meu interesse. Quando entendi que o figurino seria minha opção, fechei a loja e vim para o Rio. E não olhei para trás em momento algum.
– Você citou o teatro. Como o tempo passado na Companhia de Atores Academia marcou sua formação?
– Nunca fui boa atriz. Fazia parte do grupo, mas gostava mesmo de bordar, desenhar e ajudar a Nilza (James – diretora da companhia) a fazer as roupas. Sempre fui muito prática, gosto de colocar a mão na massa. Não curto muito a teoria. Acho que por isso fui fazer "moulagé" e não a modelagem plana, em que há regras e medidas. A "moulagé" me dá liberdade para criar. Odeio regras. Essa história de "não pode usar brilho porque é de dia" não é comigo. Não gosto de limitações.
– Outras artes também influenciaram você?
– Sim. A dança, pois participava do corpo de balé da Academia, e o carnaval. Sempre fiz e bordei minhas fantasias.
– Aliás, considera a feitura de seu trabalho semelhante à de uma obra de arte?
– Com certeza. É como escrever um livro ou pintar uma tela. Criação pura. Busco inspiração em coisas inimagináveis. A construção da estrutura de uma roupa vem de pesquisas bem anteriores, de variados conceitos artísticos.
– A televisão hoje é seu único terreno de atuação?
– Sim. Já fiz algumas peças de teatro no Rio, durante as férias ou entre uma viagem e outra. No início, também fazia o Fashion Days, que agora está com meu irmão (Toninho Simão) e Aline (Firjam). A gente criou o evento, que considero muito forte para a cidade. Juiz de Fora me deu o impulso necessário para fazer realmente o que queria. E a ideia do Fashion Days era exatamente agitar a cidade e mostrar seu potencial. Neste ano aconteceu a décima edição, entre 19 e 23 de outubro. Estive presente, mas já não consigo ajudar na organização.
– Do que sente falta em Juiz de Fora?
– Da família e dos amigos. Estou perto, mas é um perto longe. Tenho grande amigos aí. Acho que os via mais quando morava fora do Brasil. São pessoas que me deram força para estar onde estou. Sinto uma saudade boa, não é algo melancólico.
– Você assiste a novelas?
– Nunca fui fã de novela. Aliás, nunca pensei que cairia na TV. Achei que fosse seguir pelo teatro, lugar em que realmente me realizo. Também gosto de fazer televisão, mas são prazeres diferentes. Não assisto a novelas. Só vejo o que desenvolvo para saber se está bom ou ruim. E o trabalho de colegas para dar uma opinião. Como lazer, prefiro ver um filme, ler um livro ou, claro, ir ao teatro.
– Quais trabalhos destacaria ao longo desses dez anos de Globo?
– Cada trabalho tem seu lado bom e seu lado desafiador. "Presença de Anita" foi bacana por ser o primeiro. Me vi em um universo totalmente diferente. Ali senti que a profissão era uma cachaça, não daria para largar. "Amazônia" também foi interessante, me realizei muito ali. "Cama de gato" marcou pela agilidade. Foi quando encarei minha primeira novela sozinha. Eram muitos acontecimentos e responsabilidades. E "O Astro" significa a maturidade do meu trabalho. Ousei e acreditei que daria certo. É marco do meu figurino. Para mim, sempre que o figurino não aparece, é porque minha atuação está certa. Mas "O Astro" pediu que o figurino ajudasse a contar a história. Construí uma linguagem ousada pela estética. Foi um projeto fora de padrão que deu certo e me deixou muito feliz.
– No imaginário popular, os estúdios da Rede Globo são ambientes onde só há glamour, festa e alegria. Como é o dia a dia por lá?
– É um lugar cheio de gente, e eu adoro gente. Minha mãe sempre me pede para não perder minha essência. Na Globo, ou em qualquer outro lugar, a preocupação nesse sentido deve ser com as relações. Lido com atores, mas também com funcionários da limpeza. São pessoas muito diferentes. Considero o ambiente profissional uma escola para a vida. É aí que a gente aprende a lidar com o ego e a distinguir o que vale a pena, o que é importante.
– Cada detalhe do figurino de um personagem é planejado ou muitas peças entram sem pensar na hora da correria?
– Os pontos fortes da construção são feitos numa pré-produção. Símbolos, objetos e características são pensados antes. É claro que no dia a dia, dependendo da cena, a criação pode acontecer na hora. E o ator realmente ajuda muito. Às vezes, ele coloca alguma blusa, um acessório, e isso cabe de tal forma no papel que passa a ser a peça mais pedida pelo público.
– Você costuma usar confecções juiz-foranas em suas criações?
– Sim. Tenho vários parceiros em Juiz de Fora. Parceiros de muito tempo, aliás, como o Luiz Fernando Ribeiro (da marca Luiz Fernando Ribeiro Acessórios de Moda). Também trabalho com Skunk, Caricatura, General Cook, Day After, Mac, entre outras. Às vezes, pego as peças por empréstimo, às vezes compro. Depende. mas prefiro comprar e ampliar minhas opções de figurino.
– Marcas de todo o país devem assediar você…
– Isso dá muita visibilidade para as confecções. Trabalho muito com empresas de Belo Horizonte, por exemplo, e sei que as pessoas nas ruas sabem quando alguma peça apareceu na novela. Acho interessante para as duas partes e lido bem com isso. Só não uso se não tiver a ver com o personagem. Às vezes, a roupa é linda, mas não se encaixa.
– Por que as roupas de uma pessoa falam tanto sobre ela?
– A roupa diz sobre o estado de espírito. Dependendo do dia, a pessoa acorda querendo colocar uma peça colorida. Isso é expressão, algo fundamental no cotidiano. Mas a roupa também pode esconder, funcionando como máscara ou fantasia. Por outro lado, pode originar preconceitos e causar falsas impressões. É um instrumento que temos na mão para revelar ou ocultar.
– Como você se veste?
– Odeio comprar roupa. Sou preguiçosa, só faço por obrigação. Sem demagogia. Ando o tempo todo de jeans e camiseta, pois acho mais confortável para meu corre-corre. Quando tenho que sair, aí eu me monto. Se a mulher está sempre arrumada, acaba não surpreendendo. Não é falta de vaidade, é questão de praticidade. Sou básica.
– Quando o público se espelha em um personagem de novela, acaba encontrando inspiração também nos figurinos que você cria. Como avalia essa reação dos espectadores?
– Acho válida essa influência. Muitas pessoas se libertam de preconceitos a partir de personagens. É algo espontâneo, que ajuda muita gente a se conhecer. Claro que nem sempre é assim, mas vejo um lado bem positivo.