‘A arte de driblar destinos’ apresenta autoficção de Celso Costa e valor da educação
Escritor e matemático ganhou Prêmio Leya 2022 por “A arte de driblar destinos”, livro que aborda saga familiar por uma vida melhor no sertão paraense
Há quem acredite que cada pessoa tem seu destino traçado quando nasce, e que cada passo dado, mesmo que tentando fugir desse caminho, levará sempre para o mesmo lugar. Também há quem acredite que, independentemente de onde se nasceu, filho de quem se é ou das oportunidades a que teve acesso ao longo da vida, é possível fazer a própria trajetória e chegar onde se quer. “A arte de driblar destinos”, livro do escritor e matemático Celso Costa, faz que seja possível acreditar em uma terceira ideia: a de que é possível alterar aquele destino que já parecia traçado em função de algo que existe dentro de cada pessoa, e que é possível alguém se alçar para além dos contextos e dificuldades mais imediatas, inclusive porque a beleza de cada trajetória se encontra no percurso tortuoso em busca do que é só seu. A obra se trata de uma autoficção que celebra o potencial transformador da educação na vida de um menino do Paraná, e que reflete sobre toda uma saga familiar em direção a uma vida melhor. A obra venceu o Prémio Leya 2022, um dos mais importantes da literatura, e chegou ao Brasil em 2024, pela editora Fósforo.
A trama se inicia no momento em que uma pequena cidade recebe uma tourada. No entanto, com a chuva que acomete o local, o evento tem que ser adiado por vários dias, até que as pessoas que tinham chegado para apresentar o espetáculo começam a ser incorporadas à cidade. Os organizadores não têm mais dinheiro para bancar sua estadia sem os recursos do ansiado show e, com os endividamentos feitos no bar local, o dono do estabelecimento acaba ficando com tudo pra ver a dívida quitada. Com essa atmosfera que lembra um realismo fantástico, o movimento dos touros nos arrebata com toda a intensidade para dentro da história, que já se mostra desde o começo com a intenção de acompanhar os movimentos dessa cidade. É também nesse ponto que o pai do protagonista salta para dentro da arena e enfrenta o touro, enquanto o pequeno assiste incrédulo e encantado.
Na obra, o autor também se debruça para entender suas relações familiares e quais fatores econômicos e sociais estão em jogo. A narrativa parte de quando o protagonista tinha apenas 5 anos, recua ainda mais, e depois avança até o momento que ele vai estudar em Curitiba, rumo à universidade. Acompanhando todo esse percurso, o autor capta com precisão os deslizamentos do narrador de um olhar infantil para um outro adolescente e, até mesmo, adulto. Toda essa mudança é apresentada aos leitores na forma pela qual o narrador se lembra e enxerga o entorno, mas também pelo que ele eventualmente não entende. A relação amorosa, mas também conflituosa entre os pais, o amor do menino pela avó que não quer que o neto se decepcione com a vida e os conflitos políticos locais são alguns dos momentos em que isso fica ainda mais claro.
Assim, a narrativa peregrina a partir do sertão do Ribeirão do Engano, onde o autor nasceu, para mostrar uma face do Paraná que também estava escondida para o restante do Brasil. São as histórias miúdas desse local que permaneceram na mente e no coração do autor que, anos depois, dedica-se a recuperar e tecer à sua maneira uma narrativa original que fala de si e dos outros com o mesmo cuidado e o mesmo espírito curioso – e com uma escrita que, em tantos momentos, lembra a fluência e a delicadeza das crônicas.
Mosaico de memórias em ‘A arte de driblar destinos’
Talvez o maior mérito de “A arte de driblar destinos” esteja em encontrar estilhaços da infância e da juventude e juntá-los com cuidado, entendendo que essas memórias não pertencem somente ao escritor, mas a toda uma comunidade – e, por que não? – ao Brasil e ao mundo. São experiências únicas mas que, ao mesmo tempo, conseguem incorporar elementos que podem se conectar a um público bem mais amplo.
E isso acontece, inclusive, por conta de uma mescla inusitada entre originalidade e uma certa fidelidade a um padrão de narrativa mais tradicional, a partir do qual o autor consegue se destacar pela forma com que se aprofunda nessas histórias. aparentemente. periféricas e cria um notável efeito de imersão do leitor nesse universo. São narrativas que não só recuperam uma infância e um passado, mas elaboram com senso de descoberta o que essas memórias e esse tempo possuíam de valioso e ainda encoberto.
Quanto vale um destino?
É difícil precisar quanto vale um destino e como se pode negociar alterações: o quanto é necessário sacrificar, o quanto é necessário ter, onde cada um precisa se aventurar ou se perder para conseguir o que quer? O romance “A arte de driblar destinos” pode não responder a todas essas questões, mas deixa claro que, em todo destino, há as mãos de muitas pessoas tentando desvendar qual é o melhor caminho, e quando alguém como o protagonista consegue traçar um caminho tão diferente do que parece estar definido para ele, muitas outras pessoas são trazidas junto com ele. Assim, mantendo-se também como uma história sobre a superação através da educação, o autor consegue ainda honrar suas raízes, mostrando os passos certos e incertos que vão se movendo por um destino e que podem valer muito mais do que, exatamente, o ponto onde se chega – e ainda mais quando é se é capaz de carregar junto tanta coisa e abrir tantas portas.