Diferenças entre concertos dentro e fora do Central
Espalhando música por Juiz de Fora na última quinzena de julho, o Festival Internacional de Música Colonial Brasileira e Música Antiga distribui atrações em diferentes espaços da cidade. Cada um desses cenários atinge um perfil de público e proporciona um espetáculo de características peculiares. A Tribuna acompanhou as apresentações da Camerata Jovem, na Praça João Pessoa, e do Quinteto Villa Lobos, no Cine-Theatro Central – realizados no dia 20 -, e relata os fatores que distinguem os concertos ao ar livre dos espetáculos realizados entre quatro paredes.
A música na casa do povo
O dia ainda estava claro e faltava uma hora para o início do concerto da Camerata Jovem do Pró-Música quando o maestro Guilherme Augusto de Oliveira chegou à Praça João Pessoa. A antecedência se fez necessária para os acertos finais, que podem incluir adequações ajustes no som e na posição das cadeiras sobre o palco. Meia hora depois, começaram a chegar os 25 músicos, que têm média de idade de 17 anos. Como em qualquer recital, a afinação dos instrumentos é feita diante da plateia.
As luzes do Calçadão estavam acesas há pouco quando a Camerata Jovem do Pró-Música executou os primeiros acordes de seu concerto, pontualmente às 17h30. O espetáculo teve início com um número modesto de espectadores diante do tablado, mas assim que a música começou, a situação mudou rapidamente. Às pessoas que aguardavam curiosas somavam-se toda a diversidade de gente que transita habitualmente pela Rua Halfeld. É possível ver trabalhadores com uniformes de empresas, estudantes com livros nas mãos, senhoras, crianças e mesmo viajantes que, por algum tempo, acomodam a bagagem no chão para espiar o show.
A música em si serve de convite para os passantes, já que grande parte dos espectadores foi surpreendida pelo concerto no meio do trajeto. Alguns perguntavam ao espectador ao lado o nome da orquestra, mas a resposta nem sempre vinha. O nome da Camerata Jovem do Pró-Música surgiu pouco depois, anunciado ao final de cada música pelo apresentador do recital, Natálio Luz.
Durante o espetáculo, que dura cerca de 40 minutos, o tamanho da plateia variou bastante. Algumas pessoas permaneceram diante do palco do início ao fim, outros passantes apenas desaceleraram o passo e esticaram o pescoço enquanto seguiam seu caminho. Entre o público, destaca-se a luz azulada emitida por visores de câmeras fotográficas e celulares, na tentativa de capturar um momento da apresentação. Igualmente flexível é a reação dos espectadores, que ficam mais tímidos em músicas desconhecidas, mas não poupam aplausos para composições mais famosas, como as "Três danças húngaras", de Brahms, e o tango "Adiós nonino", de Astor Piazzola. A estratégia não escapa ao maestro, que fez sua estreia no Calçadão com a Camerata. "A gente tenta escolher um repertório com melodias mais conhecidas", diz.
O resultado disso é comprovado pela reação das pessoas a "Por una cabeza", de Carlos Gardel, que finaliza o concerto. Nesse meio tempo, outro grupo de espectadores se formou na parte de trás do palco. Terminados os agradecimentos, o público se dispersou com a mesma rapidez com que se juntou. Diante do palco, ainda restavam pais de integrantes da orquestra e outros alunos do festival, que trocaram cumprimentos com os colegas. Em pouco tempo, restou novamente o maestro, satisfeito com o desempenho dos alunos. Entre a equipe que trabalha na desmontagem dos equipamentos e a vida que volta ao normal no Calçadão, Guilherme Oliveira sintetiza a dificuldade do concerto que acaba de comandar. "Quando o espectador vai ao teatro, ele está ali para te ver. Aquela é a casa da música. Aqui, o espaço pertence ao público."
O povo na casa da música
O mesmo tablado que horas antes era ocupado pelos músicos da Camerata Jovem agora serve de assento para os espectadores que chegaram cedo ao Cine-Theatro Central para assistir ao concerto do Quinteto Villa-Lobos. Muitos preferem se antecipar para garantir um bom lugar na plateia; chegam vestidos de maneira menos casual e portando o ingresso retirado durante o dia no Pró-Música. Quando as portas do teatro se abrem, meia hora antes do início do espetáculo, já se formaram filas na Praça João Pessoa.
Instrumentos musicais a tiracolo e as conversas nos corredores do teatro demonstram que os recitais também são um local de encontro entre alunos e professores do festival. Quem aguarda sentado o começo do espetáculo folheia o programa, que traz o repertório da noite e também das próximas atrações. Pouco antes de soar o sinal, os assentos estavam quase todos ocupados. O silêncio se estabeleceu progressivamente quando as luzes começaram a escurecer. O apresentador do concerto fez sua única aparição, anunciando um breve currículo do Quinteto Villa-Lobos.
Os músicos entraram diante da plateia lotada sob sonoro aplauso. A parte inicial do espetáculo foi dedicada à obras de Mário Tavares e Edino Krieger, que, embora pouco conhecidas, foram aplaudidas com entusiasmo. Em seguida, "Odeon", de Ernesto Nazareth, trouxe uma versão bastante peculiar para um clássico do chorinho. O entusiasmo do público mostrou que o respaldo para uma canção popular não acontece apenas do lado de fora do teatro. A mesma reação pode ser percebida após "Um a zero", de Pixinguinha, e a "Bachiana nº 5", de Villa-Lobos.
A interação dos músicos com o público também aqueceu a apresentação. Antônio Carrasqueira, Paulo Sérgio Santos e Aloysio Fagerlande conversaram, contaram casos e arriscaram piadas no palco. Mesmo sem microfone, conseguiram ser ouvidos, e as risadas soaram unânimes. O clima respeitoso do teatro não impediu, entretanto, que alguns poucos espectadores deixassem o concerto antes do término. Nada que comprometesse o final do espetáculo, em tom quase apoteótico. Curiosamente, a música que encerrou o recital também estava presente no repertório da Camerata, do lado de fora do Central. A "Bachiana nº 2 – O trenzinho do caipira", de Villa-Lobos, empolgou e emocionou a plateia, que aplaudiu até o quinteto voltar ao palco para o bis.
De pé desde a ovação final, as pessoas deixaram seus lugares lentamente, trocando comentários sobre o concerto. Em alguns minutos, o barulho da conversa tomo as galerias laterais e a fachada do Central em um murmúrio bem conhecido de quem costuma frequentar o espaço. Alguns, apontaram no programa os próximos espetáculos, demonstrando suas preferências. Enquanto isso, as portas do teatro se fechavam novamente. Mantendo a aura de magia, o espetáculo se desmanchou longe dos olhos do público.