Outras ideias com Wesley Barbosa Severino
Foi somente ao término da entrevista que compreendi com clareza quem estava diante de mim. À orientação do fotógrafo Leonardo Costa, de escrever em uma folha branca a palavra superação, Wesley Barbosa Severino não declinou. Tomou a caneta na pequena parte do braço direito e, com o rosto a firmar, redigiu a palavra. Perspicaz, Leonardo pediu-lhe que escrevesse, novamente, outra palavra, que mais lhe caracterizasse. “Vontade”, escolheu Wesley. Sim. Antes de superar é preciso ter vontade. De acordar, de se resignar, de não fraquejar diante da luta, de não recuar e de voltar sempre que preciso for. Aos 39, sem os dois braços e sem a perna esquerda, Wesley tem muitas vontades. “Quero me superar a cada dia, não quero que minha possível incompetência seja justificada pela deficiência. Sempre procurei me dedicar a tudo, ao máximo”, emociona-se.
Alvo de uma grande campanha nas redes sociais, Wesley hoje tem uma vontade urgente. “Perdi 15 quilos em cinco meses, e o encaixe ficou inadequado. Tinha 75 e agora tenho 60 quilos. Precisava emagrecer, até para me locomover melhor”, conta. Segundo ele, o tempo útil da atual prótese já se esgotou, e o preço pago pelo SUS é bem abaixo do valor do dispositivo de que precisa. “Um amigo meu, que me ouviu reclamando de dores nas costas, foi quem pensou na campanha. Agora já temos doações até dos Estados Unidos e Europa”, comemora, mostrando já ter alcançado metade dos R$ 11.200 sonhados. Apesar de ser servidor municipal, afirma não ter condições de arcar com a despesa e fala, com humildade, sobre a possibilidade que a internet lhe abriu. “Tudo foi feito de forma muito natural. Não houve superexposição, nada foi dito de forma piegas, e tudo é realista, mostrando os motivos, sem dizer que eu era um coitado”, aponta.
O cisto
Após um longo tempo de conversa, pergunto a Wesley se ele se incomoda de falar tanto de sua deficiência. “De forma alguma. A deficiência faz parte de mim. É quem sou”, responde o homem de sorriso fácil, que desde os 3 anos usa a prótese na perna, mas nunca se adaptou com a dos braços. Entusiasmado, conta ter desenvolvido muita habilidade para lidar com a condição com a qual convive desde que nasceu. “Talvez tenha sido um erro médico ou pelo uso de talidomida, porque quando minha mãe ficou grávida, o médico lhe disse que era um cisto no ovário. Ao fazer a cirurgia para retirada, viu que era uma gravidez. O cisto era eu. O médico chegou a oferecer dinheiro para minha mãe, para que ela me doasse a ele. Ela recusou. Dois anos depois, minha irmã nasceu, e minha mãe provou que, mesmo com um só ovário, conseguia ter uma filha sem nenhuma deficiência”, recorda-se. “Dizem também que a anestesia pode ter cortado o crescimento dos meus membros. Por sorte, os vitais já estavam formados.”
Nascido no Bairro Furtado de Menezes, filho de uma servente e de um frentista – o pai morreu quando ele tinha apenas 10 anos -, Wesley sempre se viu obrigado a reivindicar por seus direitos. “Entrar na escola não foi fácil. Minha mãe precisou procurar a imprensa, porque não me aceitavam na escola regular. Falavam que eu tinha que ir para o antigo Instituto Pestalozzi, que era para deficientes intelectuais”, lembra. O garoto provou que sabia transpor barreiras, estudou e começou a trabalhar aos 16 anos, como estagiário da antiga Rede Ferroviária. Depois, mesmo sem os braços, foi ser digitador no escritório de uma fábrica de alimentos. Logo em seguida, tornou-se porteiro até passar no concurso para a Prefeitura, onde hoje desempenha as funções de assistente de administração e supervisor de atendimento. Na sala onde faz as audiências de conciliação do Procon, o homem formado em direito e especialista em direito do consumidor, sujeito de lutas íntimas e públicas, diariamente, trabalha defendendo o direito de outros.
A conciliação
O horizonte
Sem se fazer de vítima e reivindicando para si olhares de naturalidade, Wesley conta sobre sua rotina independente, diz já ter morado sozinho por duas vezes e se derrete ao falar da filha Helena, de 2 anos, fruto de um de seus dois casamentos. Hoje, solteiro, mora com a mãe Regina no Bairro Vale Verde. “Em nenhum momento, me senti diferente. Jogava futebol e vôlei. Quem dá o limite para nós somos nós mesmos. Aprendi com minha mãe, que me deixou sonhar em ser jogador de futebol. Obviamente, não tive condições. Sou flamenguista, mas não jogo”, rememora ele, que foi assessor do Núcleo de Atendimento Especial à Pessoa com Deficiência da Secretaria de Assistência Social (SAS), no Governo anterior e nunca se distanciou da militância. “Tenho projetos de ser professor universitário, tornar-me vereador e uma voz forte da militância”, enumera. “É preciso viver na pele para representar de fato. E estou disposto”, diz, citando Romário como ídolo nos campos e na política. Wesley Barbosa Severino é mesmo cheio de muita vontade. Dessas forças que contagiam e movimentam. A superação, então, é mesmo um fruto, que precisa ser semeado e regado, para ser colhido.