Caetano Brasil: Ele arrasa no palco, no bar e até na feira, com seu clarinete
Artista exalta velhos choros e a cena contemporânea, interpretando clássicos e executando o contemporâneo, como o single que lança nesta terça, 27
São muitas as cores que Caetano Brasil carrega nas roupas, no trabalho e na vida. O homem de ternos estampados e barba, bigode e cabelo milimetricamente desenhados reflete o colorido vibrante das feiras e os tons sóbrios dos grandes teatros. Está à vontade, fazendo seu clarinete e seu choro onipresentes na cena juiz-forana. “Música é música, sabe?! E dentro do ambiente em que convivo mais, da música instrumental – que não era para ser mas tornou-se muito elitizada, até pela dificuldade de acesso e pela falta de divulgação ampla -, as pessoas se esquecem de que música é música e começam a tocar para outros músicos, preocupadas em serem tecnicamente perfeitas. Para mim não tem diferença entre tocar num show para dez mil espectadores e tocar na feira. Às vezes a feira é mais legal, porque está num dia em que as pessoas estão abertas à troca. E a música acontece aí, quando vai ao coração e transforma o dia de uma pessoa. Não precisa que ela te conheça, saiba quem você é, ou com quem você dorme, porque a música é muito maior. As notas são uma ferramenta. Eu que escolhi viver de música, eu que fique batendo cabeça para aprender e fazer o melhor”, diz ele, na defesa de um contato múltiplo, colorido, que permita uma “compreensão mais humana da música, mais olho no olho”.
Disputando espaço com legumes e verduras, entre as promoções e as piadas típicas de uma feira, cinco músicos locais saúdam o choro quinzenalmente na Feira de São Mateus, no projeto “Barraca do choro”, que acontece desde maio deste ano. Caetano está lá. Numa mesa de bar cercada de músicos, veteranos e entusiastas tocam e pensam o choro, no projeto “Mão na roda”, que já soma um ano e meio de existência numa frequência semanal, às quartas, das 18h às 21h, no Experimental Container Bar. Caetano está lá. Na música “Vingancinha” de MC Xuxú, do novo disco “Senzala”, Caetano está. Nos shows de Emmerson Nogueira, há três anos, Caetano está. No espetáculo “Mineiramente”, do renomado grupo de Barbacena Ponto de Partida, Caetano também está. No show de lançamento do disco de estreia da cantora Clara Castro, na direção e no palco, Caetano está.
“A arte sempre foi muito incentivada dentro de casa. Desde muito cedo demonstrei essas aspirações. Primeiro em algo mais voltado para as artes plásticas e, depois, me encontrei na música. As condições de temperatura e pressão sempre acompanharam meu impulso de fazer música. A cena musical de Juiz de Fora me abraçou de uma forma muito bonita, hoje toco com muita gente, e a perspectiva da minha carreira sempre foi ascendente. E esses dois últimos anos são um reflexo do processo anterior. Eu me entrego, me dedico exclusivamente à música, que é muito mais que o trabalho. E vou sempre para a frente. A expectativa é que minha vida fique ainda mais intensa, cada vez mais focado nas minhas composições e produções”, pontua o jovem de 24 anos de idade e oito de carreira, que nesta terça, 27, lança nas plataformas digitais o single “Romani”, de seu Caetano Brasil & Grupo.
O desejo da formação liderada por Caetano, com Gladston Vieira na bateria, Guilherme Veroneze no piano e Adalberto Silva no contrabaixo, é gravar um disco do projeto “Cartografias”, no qual investiga o choro contemporâneo. “O ‘Romani’ foi produzido dentro de um trabalho em processo no qual nos dedicamos a um repertório que usa o choro como forma de ver a música, em possibilidades de diálogos dessa linguagem com a cultura folclórica e tradicional de diversos lugares do mundo. Faço um trabalho de pesquisa que passa pela escuta e pela transcrição de originais, e produzo novos temas. ‘Romani’ surgiu a partir de uma pesquisa que fiz sobre música cigana, música dos povos árabes e, em especial, de Marrocos. Fui ouvindo outros artistas que já processaram esses encontros e buscando referências da música brasileira, como o baião”, comenta ele.
‘A casa é o choro’
“A casa é o choro, porque a casa é a mãe. O pai é o jazz. O choro é de onde vim e levo ele por onde for.” Como no novo single “Romani”, Caetano Brasil embarca e desembarca no choro. “O choro é uma escola e foi a minha escola de formação. Hoje toco várias outras coisas que não são choro, como o próprio trabalho do Emmerson Nogueira, também sou frequente na cena do jazz, tocando com o Dudu Lima, mas acho que essas linguagens são complementares. O fato de ser um músico do choro e ver a música através dele me fez aprender a dialogar. Tocar choro exige muita escuta. É preciso ouvir quem está tocando contigo e interagir. Não são interações prontas. É como uma conversa: você tem que saber a hora de ouvir e a hora de dizer. Como compositor, acho que traz uma base muito forte da música europeia, da tradição da composição, da boa composição do fraseado, da métrica, e é uma forma livre de ver a música pelo aspecto do improviso. Mesmo que alguém toque sempre um repertório tradicional, nunca vai acontecer da mesma forma”, explica, numa didática que faz coerente sua idealização do projeto “Mão na roda”. “É uma força agregadora, que junta músicos com vários níveis de experiência em torno da linguagem do choro, aproximando as pessoas e buscando uma renovação do gênero na cidade. Como outros projetos que acontecem no Brasil, ele é um resgate da nossa cultura matriz, de um gênero que retrata a gente melhor, nossa linguagem mais antiga e viva, porque as pessoas hoje compõem choro.”
A “Barraca do Choro”, idealização do violonista Fernando César, também carrega consigo o tom do resgate. “Não deixa de ser uma roda, a gente toca muito informalmente, passamos o chapéu e estamos focados no repertório clássico do gênero, que se toca na maioria das rodas. Essa é uma característica do choro, de ter um grande repertório comum, que possibilita viajar, e, onde for, os músicos vão saber acompanhar, tocar junto. São músicas dos mestres Jacob do Bandolim, Pixinguinha, Waldir Azevedo”, conta Caetano. “Já no ‘Mão na Roda’, faço a curadoria do repertório e busco apresentar um panorama da história do choro, dos mais de 150 anos de tradição no estilo. Então, parto da base, dos primeiros compositores, como Chiquinha Gonzaga, Joaquim Callado, Anacleto de Medeiros, passo pelos clássicos, pelo repertório consolidado, e aponto para novas direções, com criações de compositores contemporâneos, e acaba fazendo muito sucesso”, acrescenta, apontando para uma nova cena robusta em influências e convergências. “O choro é sempre fresco. Pixinguinha podia ter feito hoje suas músicas, de tão bem construídas e ricas que elas são. Para além de ritmo e gênero, o choro tem se provado, também, como uma forma de ver a música. Nessa era globalizada, ele vive um processo de diálogo com outras culturas, influências e informações, transformando-se sem perder sua essência. Por isso ele continua vivo.”
‘Não existe formalidade no choro’
Formação, explica Caetano, é palavra discutível no contexto do choro. Não existe formalidade no choro. “Por mais que seja uma música tecnicamente exigente, cheia de fundamentos, na maioria das vezes isso não se dá formalmente. Agora vemos o choro entrar na academia. A formação de um músico na linguagem do choro se dá muito por transmissão oral, pela frequência onde as rodas acontecem. A práxis se dá quando as pessoas se juntam para tocar. Apesar de desde os primórdios observarmos a presença de músicos eruditos que tiveram um papel importante no registro do choro, escrevendo as partituras, as gírias da linguagem só se aprende nas rodas”, comenta o clarinetista, que começou tocando num projeto social de uma casa espírita no Bairro Borboleta, onde foi criado. Na oficina, conheceu o choro e seu instrumento. Depois conheceu a Bituca, escola de música popular.
Estudioso, dia após dia conhece novas referências, para além das que já tem: os clarinetistas Anat Cohen, Nailor Proveta e Pedro Paes, o erudito francês Debussy, o pianista brasileiro Radamés Gnattali e Pixinguinha, é claro. “Fazer música instrumental já é remar contra a corrente: nunca tem as melhores condições para fazer, o meio é muito fechado, a grande mídia não divulga. A internet abriu mais o processo. E se fazer acessível é plantar uma semente para a popularização”, defende ele, certo de que todo homem é um ser político e todo som é voz. A sua está nas cores com que pinta a cena, fazendo música e fazendo pela música. “O choro nasce como música popular mesmo, essencialmente. Durante algum tempo, no final do século XIX, ele foi a música popular brasileira. Por uma série de movimentos como o surgimento do samba, o choro começou a viver um efeito sanfona, de épocas de muita popularidade e momentos de um quase ostracismo. Por vezes, ele se fechou num lugar de difícil acesso, até por uma questão de proteção e manutenção da linguagem. Com isso, ficou refém dos redutos. Agora, nos anos 2000, estamos vivendo um momento de ascensão. Começamos a ter várias escolas, não necessariamente formais, mas centros que reúnem as pessoas para falar sobre o gênero. O choro também invadiu a academia. E trazê-lo de volta para o ambiente popular é colocá-lo em sua essência. Ele é uma mistura, nasce da mistura da música negra com as raízes europeias de composição, de uma forma abrasileirada e improvisada. Ele reflete nós mesmos. Mas se esquecemos o que somos enquanto povo, como saberemos quem somos musicalmente?!”
ROMANI
Lançamento do single de Caetano Brasil e Grupo nesta terça, 27, nas plataformas digitais e do clipe no YouTube